Aptitudes de Nacho Solana é uma curta-metragem espanhola de ficção que esteve presente na secção Cantabria da quinta edição do Piélagos en Corto - Festival Internacional de Cortometrajes de Ficción que decorreu entre 5 e 10 de Maio últimos e no qual tive a honra e privilégio de estar presente enquanto júri.
Numa altura em que esta Europa vive graves problemas e onde os direitos laborais são quase uma miragem de um passado distante, Aptitudes chega na hora certa ao levar-nos através de um olhar mordaz para esses meandros tão assustadores.
Numa entrevista de trabalho o empregador (Luis Oyarbide) recebe mais um candidato (Agustín Ruíz), para ocupar o ingrato posto de "técnico de actividades industriais", aquele que é tão bem caracterizado pelo mesmo como sendo o "hijo de puta de una empleza" (para bom entendedor...).
Depois de uma não só alucinante conversa como também um conjunto de caricatos momentos que parecem retirados de um qualquer segmento mais alucinado, o espectador é levado numa intensa viagem pelo selvático mundo laboral graças às palavras e ao próprio ambiente recriado por um muito feliz argumento da autoria de Pedro Pablo Picazo onde, de forma astuta percebemos que o trabalhador mais não é do que uma "peça" tão ou mais descartável do que as próprias.
Os direitos do trabalhador mais não são do que uma triste comédia, uma mulher grávida tida como um estorvo e os jantares de convívio das empresas o local perfeito para todos os alcoólatras se encontrarem... Aos poucos aquele homem a quem Agustín Ruíz entrega uma vida tão intensa mas desprovida de uma essência, e principalmente de uma alma, assusta-nos não pela brutalidade das suas palavras e dos seus pensamentos mas por os mesmos retratarem de forma tão fiel este mundo agressivo e sem escrúpulos onde de facto vivemos e do qual tão poucas vemos damos conta até que ele resolve explodir mesmo frente aos nossos olhos.
Sem problemas em denunciar ou despedir os seus colegas que considera, no seu todo, ser um conjunto de idiotas que se quer matar a trabalhar e reclamar por direitos e benefícios, este homem torna-se num inesperado candidato perfeito quando se percebe que nada trava os seus objectivos de ser o funcionário ideal para uma empresa que pouco respeita a sua mão-de-obra. Mas tudo tem uma explicação e aos poucos percebemos que a sua se prende mais com um passado que testemunhou do que propriamente pensar, no seu íntimo, que aquilo que faz é o mais correcto, embora o apregoe do fundo dos seus pulmões.
Dos homens sérios, honestos, trabalhadores e íntegros não reza a história... nenhuma parte dela. Apenas aqueles que cedem às tentações e à fácil corrupção conseguem, com o tempo (por vezes pouco), ser bem sucedidos e capazes de alcançar tudo aquilo que pretendem ter deixando para trás a sua consciência, a sua moral e todos os seus valores e princípios que, segundo ele, apenas podem funcionar como entraves ao seu sucesso pessoal e rápida ascenção social.
Repleta de humor negro, Nacho Solana cria através de Aptitudes um olhar mordaz e trágico que nos faz rir não por ser mais uma comédia mas sim pelo facto de nos permitir constatar que realmente vivemos num mundo que não perdoa nem espera, no qual apenas aqueles que não têm qualquer réstia de coluna vertebral conseguem ser bem sucedidos nas suas vidas e que de todos os demais a História não se irá recordar. No entanto deixa-nos também uma sensação de satisfação pessoal quando percebemos que afinal ainda estamos muito distantes das experiências que tornaram aquele homem num ser impiedoso que se apresenta apenas para conseguir um trabalho no qual será eventualmente tão irrelevante como aqueles que o próprio irá "espiar".
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9 / 10
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