quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Baise-moi (2000)

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Baise-moi de Virginie Despentes e Coralie Trinh Thi é uma longa-metragem francesa que revela a história de Manu (Raffaëla Anderson) e Nadine (Karen Bach) que embarcam numa viagem por França depois da primeira ter sido violada e a última ter assistido ao assassinato de alguém que lhe era próximo. Rumo a uma auto-destruição e colisão com as normais sociais que, até então, cumpriram para a sua vivência em comunidade, Manu e Nadine entram numa espiral de decadência e violência para com todos os homens da sociedade.
Também com argumento da dupla de realizadoras, Baise-moi começa como um retrato de uma sociedade decadente e degradante onde os menos protegidos pelas normais sociais acabam por ser as vítimas repetentes dos próprios vícios que essa sociedade faz criar para terminar como um relato de ruptura não só com a mesma como principalmente com o homem enquanto símbolo dessa sociedade onde todos não são tão iguais como se publicita diariamente. Assim, e numa total negação desse conjunto de valores sociais, as duas mulheres formam um improvável duo - muito ao estilo de Thelma & Louise (1991), de Ridley Scott mas com muito mais sexo e violência à mistura - que cruza as estradas francesas neste semi-atípico road movie gaulês.
Incerto se um ensaio sobre a vingança para com os perpetradores de violência física e sexual - novamente o homem enquanto o seu principal objecto de estudo - ou se sobre um plano de libertação das normais sociais instauradas que, de facto, não protegem os mais frágeis - aqui a mulher no seu todo -, este Baise-moi é a negação de um todo social que impõe o homem como o mais forte em comunidade mas que, principalmente, afirma a mulher como o ser frágil, desprotegido e, como tal, vulnerável que sai como a vítima primeira de todos os malefícios da mesma. Contrariando voluntariamente este papel social que lhes é conferido - enquanto mulheres - a dupla de actrizes embarca numa viagem onde o seu comportamento anarca - aos olhares dos demais - se transforma não só num estilo de vida como principalmente na forma de justiça (ainda que contraditória) encontrado para poderem sobreviver num mundo onde têm tudo a funcionar contra a sua vontade.
Se até aqui tudo funciona como um interessante e apelativo argumento que dinamiza o espectador a deixar-se levar pela sua premissa é, no entanto, a sua elaboração prática que o deixa, ao mesmo tempo, distante da história destas duas mulheres iguais a tantas outras com muito mais que contar do que um simples papel social que lhe fora atribuído. Os primeiros instantes de Baise-moi são sobre a dinâmica destas duas mulheres em sociedade... claras marginais desse "jogo social", violentadas pela perda, pela dor, pelo abuso e claro, pela humilhação que deles resulta, tanto "Manu" como "Nadine" embarcam na já referida viagem francesa onde se vingam e punem todos aqueles que se atravessam no seu caminho - homens exclusivamente -, primeiro fazendo-lhes perceber que vivem agora o mesmo tormento delas e finalmente que não o voltarão a perpetuar nas futuras vítimas inocentes que possam encontrar. De óbvias vítimas a justiceiras em potência, e ainda que os seus propósitos possam ser "nobres", é a forma como a dupla de realizadoras as expõe que leva a uma fraca, senão nula, empatia por parte do espectador que agora passa a encará-las como tão ou mais violentas e cruéis que aqueles que delas abusaram, e a possível empatia que se poderia estabelecer com estas personagens tão representativas de um vasto conjunto de mulheres anónimas desaparece no imediato.
Mas, se esta debilidade do argumento não ajuda a criar a tal empatia por parte do espectador é, no entanto, a excessiva violência gráfica e mal executada que transforma a dinâmica das personagens quase patética, a certo ponto, e que o espectador já não quer ver por não só já não parecer uma longa-metragem mas sim um violento videoclip onde vale tudo para parecer sensacionalista.
Com interpretações banais e voluntariamente porno-interessantes (ou gratuitas) nas quais se destacam as duas protagonistas concentradas em fazer cumprir uma história que, em última análise, não as dignifica nem às personagens que se propuseram representar, esta longa-metragem apenas parece querer vibrar pelo explícito e pelo gratuito que domina boa parte da atenção que o espectador lhe dedica (quando aguenta o banal) e não tanto pelos dramas aqui expostos e que não deveriam ser encobertos pelo óbvio sensacionalismo de uma obra que pode, inicialmente, confundir-se com Irrevérsible (2002), de Gaspar Nöe mas que fica a milhas da sua execução, dramatização ou mesmo qualidade cinematográfica.
Tendo uma interessante direcção de fotografia de Benoît Chamaillard que capta alguma da alucinação das duas personagens em plena espiral de decadência moral e social, Baise-moi fica muito distante de alguma credibilização do seu propósito... Não pela forma como expõe o sexo, afinal quantos filmes não exibem uma latente componente sexual, mas sim por exibi-lo como uma vulgar arma de destruição moral lançando vítimas e agressores no mesmo barco amoral onde vale tudo... mesmo repetir o crime pelo qual (ambas) passaram. Dispensável e perfeitamente banal - aliás, banal é quase uma palavra chave nesta obra -, esta longa-metragem não convence não só pela sua fraca credibilidade narrativa mas principalmente pela banalidade com que tenta apresentar temas sérios de forma risível e plástica onde tudo parece querer ser vingado mas onde (muito) pouco é levado a sério... No mundo das obras que querem chocar mas que todos nós preferimos esquecer... esta encontra-se lá... e na linha da frente.
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