sábado, 1 de agosto de 2015

Uma Cidade Entre Nós (2015)

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Uma Cidade Entre Nós de Maria João Ferreira - também argumentista - é uma longa-metragem portuguesa independente que teve a sua antestreia nos Açores no passado mês de Janeiro e que nos apresenta a história de Joana (Ana Lopes) uma mulher casada com Diogo (Mané Crestejo) mas que se encontra secretamente com Bruno (Salvador Nery) por quem se sente atraída desde os tempos de faculdade.
No entanto, ao contrário do que Joana pensa, Diogo sabe que ela se encontra com alguém, e na relação de (in)dependência sexual que ambos estabelecem para viverem numa coexistência pacífica, ele não está disposto a abdicar do seu papel enquanto marido muito facilmente.
A realizadora e argumentista Maria João Ferreira consegue criar uma história que nos apresenta um curioso conjunto de personagens que se interligam numa rede de desejos e amores não cumpridos e que se completam pela dependência criada entre si.
"Não vemos as coisas como são, vemos as coisas como somos", com este pensamento de Anaïs Nin começa Uma Cidade Entre Nós, fazendo adivinhar que todos mais não são do que um reflexo ou imagem daquilo que o próprio deseja que o outro seja... No fundo, neste conjunto de relações atribuladas e praticamente todas não cumpridas, temos um conjunto de personagens que vagueia pela indecisão e (des)compromisso em que reinam as suas vidas. O tempo passa e as pessoas amadurecem ou pelo menos assim gostaríamos de pensar, mas aquilo que a realizadora nos pretende mostrar é que por falta de coragem ou de compromisso, muitos deixam passar as pessoas, as situações e os momentos que, na prática, poderiam ditar - e comprometer - a felicidade de cada um.
No entanto, aquele vão desejo de liberdade que a juventude já passada insiste em manter, desfaz os sonhos de uma relação - uma que seja verdadeira - pois isso pressupõe, no pensamento de alguns, que se abdica automaticamente dessa liberdade e não que se comece uma partilha da mesma. Na prática, não é a falta de desejo em que o "outro" seja um complemento, mas sim o medo que esse assuma a tal perda de liberdade que se apodera destas personagens.
Mas não é tudo... Aos poucos conhecemos "Joana" (Ana Lopes) que vive numa intensa e imaginada independência que, segundo ela, é a condição máxima para gostar de alguém. Essa sua independência em se relacionar com quem deseja sem comprometer o seu casamento com "Diogo" é, ao mesmo tempo, o exacto elemento que a condiciona. Na prática ela deita-se com quem quer mas também não cria nenhum tipo de empatia ou cumplicidade com ninguém pois sabe que o marido a espera... No fundo a tão aclamada "relação aberta" tão na moda onde existe algo... sem existir. Mas "Joana" é uma mulher infeliz. Dividida entre o seu amor dos tempos de estudante e um casamento que apenas aparenta ser sexualmente feliz, ela é uma mulher indecisa e algo frustrada que vive entre alguém que "não tem" mas que ama... e alguém "quem tem" mas com quem apenas existe desejo.
Quer seja por pressão social ou de pares, "Joana" e "Diogo" casaram-se. Construíram as fundações de uma casa sem que, no entanto, dela tenham conseguido construir um lar. Vivem no mesmo espaço mas com vidas separadas e apenas se confirmam enquanto casal pelos momentos que passam juntos na cama excitando-se mutuamente pela provocação e pelo instinto mais selvagem e primário que ambos manifestam... mas que se transforma lentamente num sacrifício que dá lugar ao desprezo e à indiferença.
"Diogo" é, por sua vez, o protótipo do yuppie que julga que as suas posses, a sua mulher e no fundo, ele próprio, são um troféu conquistado que precisa ser exibido e que com o qual tudo aquilo que quer pode ter. Não aceita um "não". O mesmo tipo de comportamento que com o passar do tempo faz (fará) dele um homem solitário e amargurado mas que tal como denota no presente... "enquanto pinga... dá para o gasto".
A completar o trio protagonista temos "Bruno" (Salvador Nery), o tipo com uma vida profissional estável mas que vive na sombra de um amor universitário que nunca lhe permitiu avançar para outra. Pacato mas interessado e disposto a lutar por quem quer ter a seu lado, "Bruno" apenas conta com a cumplicidade extrema de "Nuno" (Miguel Coutinho) - uma personagem que deixa a sensação de que teria muito mais para revelar como observador secundário de todas estas relações e dos tempos de estudante -, o amigo leal e confidente que tenta chamá-lo à razão para que avance com a sua vida e não se prenda por algo que nunca irá ter.
Mas não há protagonistas sem secundários que confirmam que uma boa história se completa com um interessante conjunto de personagens que suavizam a mesma com os necessários momentos cómicos. Anna Carvalho como "Zénite" e Luciano Gomes enquanto "Lombardo" cumprem essa missão na perfeição estabelecendo-se como aquelas duas personagens que tendo confirmado o seu espaço em Uma Cidade Entre Nós não têm, no entanto, o devido e merecido destaque que as suas personagens mereciam. E a confirmá-lo temos o final desta longa-metragem que é, nem mais nem menos, com os dois a embarcar para a sua viagem de sonho - e no fundo, aqueles que descobrindo as infidelidades e falta de amor alheios... revelam que o único sólido é o seu. Assim divertidos e com carisma, fica a sensação de que estes dois actores teriam muito mais a entregar às suas personagens.
Ainda que denote alguns elementos menos conseguidos nomeadamente a nível da coesão entre os vários segmentos que se cruzam por vezes abruptamente, o som nem sempre perfeito ou um final abrupto que teria espaço para mais meia hora de filme, Uma Cidade Entre Nós tem um interessante argumento sobre as relações sentimentais - ou sexuais - estabelecidas entre as personagens, e consegue ser uma surpreendente longa-metragem independente ao primar por um conjunto de segmentos que exploram a natureza humana, os seus desejos, a posse e a materialização (ou falta dela) de sentimentos maiores do que apenas alguns ocasionais e passageiros encontros. No fundo Uma Cidade Entre Nós questiona o espectador sobre a necessidade ou vontade de estabelecer uma relação afectiva - e como tal denotar um amadurecimento psicológico - em detrimento de uma ligação meramente sexual que aparenta ser momentaneamente satisfatória mas pouco compensatória a longo prazo. Todos querem sentir-se completos mas... à custa de quê?
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7 / 10
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