El Aspirante de Juan Gautier é uma curta-metragem espanhola de ficção presente na secção competitiva Nacional da sétima edição do Piélagos en Corto - Festival Internacional de Cortometrajes de Ficción que decorre na Cantábria, em Espanha, até ao próximo dia 7 de Maio.
Carlos (Patrick Criado) é um jovem estudante recentemente chegado à Universidade. No entanto, aquele que deveria ser um espaço privilegiado de ensino rapidamente se transforma num espaço de perseguição e violência quando Carlos e outros caloiros são sistematicamente abordados pelas praxes de um grupo de impiedosos veteranos.
Depois de um emocionalmente forte Soy Tan Feliz, Juan Gautier regressa ao Piélagos en Corto com uma das mais fortes e intensas curtas-metragens do ano que explora uma temática ainda tabu como o é a das praxes universitárias. Aquilo que começa por ser um dos momentos mais importantes na vida de qualquer jovem adulto e estudante - o período em que abandona o conforto do seu lar para uma vida mais independente e possivelmente noutra cidade que não a sua - rapidamente se transforma num dos mais traumatizantes e vorazes períodos das suas vidas. Jovens aparentemente equilibrados e com toda uma vontade de viver uma independência recentemente adquirida são forçados a momentos de total e completa humilhação em que apenas resiste o mais apto e - normalmente - aqueles que exercem todo o tipo de assédio sobre jovens indefesos e perdidos num espaço que não é o seu.
Se em Soy Tan Feliz Juan Gautier nos revela o desbravar de um caminho interior que se afastava de um isolamento auto-imposto para uma necessidade cada vez mais crescente de se dar ao mundo - e às pessoas - feito pela sua protagonista, em El Aspirante, o realizador e argumentista apresenta-nos uma viagem que opera, por diversos momentos, no seu oposto na medida em que de uma personalidade livre e espontânea, "Carlos" começa a regredir e isolar-se ao ponto de ter medo que cruzem a sua porta e notem na sua existência.
As humilhações físicas e psicológicas são uma constante. De encenarem violações a exercícios físicos esgotantes e debilitantes, El Aspirante não esquece de exibir todo o tipo de humilhações psicologicamente degradantes e que levam as suas vítimas ao mais profundo desespero, lugar onde, até à morte é simulada. O assédio é um factor sempre presente e o exercício do poder bem como as ameaças a um futuro pouco "promissor" condicionam aqueles que, psicologicamente mais frágeis, cedem ao primeiro grito que escutam. Numa escalada de violência e de chantagem que parece não ter fim, El Aspirante revela que o poder - ou a sua simulação - quando nas mãos erradas pode ser - e é - sempre uma falácia revestida com ideias de grupo, inserção e companheirismo que cedo se transformam em domínio e humilhação para com aqueles que são aspirantes ao clã.
Diz-se que o bem e o mal não existem se não há liberdade para desobedecer. Em El Aspirante este pensamento é confirmado quando o espectador assiste aos seus "dois lados". Um brilhante Patrick Criado - o jovem "Carlos" - apresenta-se inicialmente como um estudante sedento dessa tal inserção que parece estar sempre a um passo de distância, inatingível faça o que fizer. Se começa por achar toda a humilhação "normal" e parte do processo, rapidamente compreende que o seu ritmo não só não abranda como aumenta no requinte de malvadez com que é perpetrado, fazendo-o questionar se será assim tão banal humilhar-se e esquecer a sua condição enquanto adulto em formação para pertencer a um grupo que, na prática, parece apenas querê-lo para os seus rituais sádicos. Coloca-se a questão... para quê pertencer a um grupo que primeiro tem de me colocar à prova, confirmando não aceitar a sua diferença e individualidade?
Sendo "Carlos" de Patrick Criado o lado bom - ou pelo menos aquele que começa por desafiar a ordem estabelecida - então os igualmente brilhantes - pois toda a face do "mal" (aqui cinematográfico) o é - Pepe Lorente, Pedro Rubio, Eugenio Santiago e Ahmed Younoussi conferem a ao mal o requinte de malvadez necessário para criar dois pólos distintos e a confirmação de que o mesmo tem de facto um rosto tão banal que facilmente se confunde no meio da multidão. Afinal, para lá dos ataques nocturnos que assediam a vida dos mais novos... alguém iria apontar o dedo a estes jovens tão "comuns"?
Se estes dois pólos são de tal forma bem interpretados que nos incomodam desde o primeiro instante - tal a veracidade e convicção com que este grupo de actores interpreta as suas personagens - não deixa de ser igualmente verdade que é quando a presa se torna predador que El Aspirante atinge o tal clímax que se desejava. Depois de um conjunto de noites indiscriminadas no tempo - será uma... duas... três semanas (?) - "Carlos" atinge o seu ponto de ruptura conseguindo finalmente fazer frente aos seus predadores que, independentemente das suas ameaças, encontram aquele que questiona o seu poder despótico e não se deixa intimidar pelo seu assédio. Afinal, o "poder" existe apenas na medida daquele que a vítima confere ao agressor.
Não direi que El Aspirante é um salto qualitativo relativamente a Soy Tan Feliz pois, afinal, sendo de géneros distintos, Juan Gautier consegue criar duas intensas e marcantes histórias sobre aspectos diferenes da sociedade moderna que, no entanto, se tocam no que à solidão diz respeito. É esta solidão que aprisiona a "Fran" (Olaya Martin) de Soy Tan Feliz a uma vida não vivida, e que ilusoriamente confere ao El Aspirante "Carlos" (Patrick Criado) a ideia de que necessita pertencer a um grupo e, como tal, sujeitar-se a todo o tipo de ritual de iniciação que lhe é colocado. Se por um lado a solidão auto-imposta de "Fran" gera uma auto-violência imposta, é também real que a mesma solidão expõe "Carlos" ao massacre social que o grupo de "veteranos" lhe impõe excluindo-o não só da sua individualidade como de um normal desenvolvimento e formação psicológica que deveria existir fruto da normal relação com os seus pares.
Intensa e desconfortante desde o primeiro momento, El Aspirante - que deveria ser filme obrigatório em campanhas de sensibilização nas escolas - é uma curta-metragem que deixa o espectador a pensar sobre todos aqueles que vivem a tortura e a perseguição num silêncio psicologicamente desconfortante e assassino, confirmando ao mesmo tempo Juan Gautier como um nome do cinema espanhol capaz de entregar histórias onde a ficção e a realidade se tocam e cruzam, por vezes, de forma alarmante. Numa palavra... El Aspirante é imprescindível.
Carlos (Patrick Criado) é um jovem estudante recentemente chegado à Universidade. No entanto, aquele que deveria ser um espaço privilegiado de ensino rapidamente se transforma num espaço de perseguição e violência quando Carlos e outros caloiros são sistematicamente abordados pelas praxes de um grupo de impiedosos veteranos.
Depois de um emocionalmente forte Soy Tan Feliz, Juan Gautier regressa ao Piélagos en Corto com uma das mais fortes e intensas curtas-metragens do ano que explora uma temática ainda tabu como o é a das praxes universitárias. Aquilo que começa por ser um dos momentos mais importantes na vida de qualquer jovem adulto e estudante - o período em que abandona o conforto do seu lar para uma vida mais independente e possivelmente noutra cidade que não a sua - rapidamente se transforma num dos mais traumatizantes e vorazes períodos das suas vidas. Jovens aparentemente equilibrados e com toda uma vontade de viver uma independência recentemente adquirida são forçados a momentos de total e completa humilhação em que apenas resiste o mais apto e - normalmente - aqueles que exercem todo o tipo de assédio sobre jovens indefesos e perdidos num espaço que não é o seu.
Se em Soy Tan Feliz Juan Gautier nos revela o desbravar de um caminho interior que se afastava de um isolamento auto-imposto para uma necessidade cada vez mais crescente de se dar ao mundo - e às pessoas - feito pela sua protagonista, em El Aspirante, o realizador e argumentista apresenta-nos uma viagem que opera, por diversos momentos, no seu oposto na medida em que de uma personalidade livre e espontânea, "Carlos" começa a regredir e isolar-se ao ponto de ter medo que cruzem a sua porta e notem na sua existência.
As humilhações físicas e psicológicas são uma constante. De encenarem violações a exercícios físicos esgotantes e debilitantes, El Aspirante não esquece de exibir todo o tipo de humilhações psicologicamente degradantes e que levam as suas vítimas ao mais profundo desespero, lugar onde, até à morte é simulada. O assédio é um factor sempre presente e o exercício do poder bem como as ameaças a um futuro pouco "promissor" condicionam aqueles que, psicologicamente mais frágeis, cedem ao primeiro grito que escutam. Numa escalada de violência e de chantagem que parece não ter fim, El Aspirante revela que o poder - ou a sua simulação - quando nas mãos erradas pode ser - e é - sempre uma falácia revestida com ideias de grupo, inserção e companheirismo que cedo se transformam em domínio e humilhação para com aqueles que são aspirantes ao clã.
Diz-se que o bem e o mal não existem se não há liberdade para desobedecer. Em El Aspirante este pensamento é confirmado quando o espectador assiste aos seus "dois lados". Um brilhante Patrick Criado - o jovem "Carlos" - apresenta-se inicialmente como um estudante sedento dessa tal inserção que parece estar sempre a um passo de distância, inatingível faça o que fizer. Se começa por achar toda a humilhação "normal" e parte do processo, rapidamente compreende que o seu ritmo não só não abranda como aumenta no requinte de malvadez com que é perpetrado, fazendo-o questionar se será assim tão banal humilhar-se e esquecer a sua condição enquanto adulto em formação para pertencer a um grupo que, na prática, parece apenas querê-lo para os seus rituais sádicos. Coloca-se a questão... para quê pertencer a um grupo que primeiro tem de me colocar à prova, confirmando não aceitar a sua diferença e individualidade?
Sendo "Carlos" de Patrick Criado o lado bom - ou pelo menos aquele que começa por desafiar a ordem estabelecida - então os igualmente brilhantes - pois toda a face do "mal" (aqui cinematográfico) o é - Pepe Lorente, Pedro Rubio, Eugenio Santiago e Ahmed Younoussi conferem a ao mal o requinte de malvadez necessário para criar dois pólos distintos e a confirmação de que o mesmo tem de facto um rosto tão banal que facilmente se confunde no meio da multidão. Afinal, para lá dos ataques nocturnos que assediam a vida dos mais novos... alguém iria apontar o dedo a estes jovens tão "comuns"?
Se estes dois pólos são de tal forma bem interpretados que nos incomodam desde o primeiro instante - tal a veracidade e convicção com que este grupo de actores interpreta as suas personagens - não deixa de ser igualmente verdade que é quando a presa se torna predador que El Aspirante atinge o tal clímax que se desejava. Depois de um conjunto de noites indiscriminadas no tempo - será uma... duas... três semanas (?) - "Carlos" atinge o seu ponto de ruptura conseguindo finalmente fazer frente aos seus predadores que, independentemente das suas ameaças, encontram aquele que questiona o seu poder despótico e não se deixa intimidar pelo seu assédio. Afinal, o "poder" existe apenas na medida daquele que a vítima confere ao agressor.
Não direi que El Aspirante é um salto qualitativo relativamente a Soy Tan Feliz pois, afinal, sendo de géneros distintos, Juan Gautier consegue criar duas intensas e marcantes histórias sobre aspectos diferenes da sociedade moderna que, no entanto, se tocam no que à solidão diz respeito. É esta solidão que aprisiona a "Fran" (Olaya Martin) de Soy Tan Feliz a uma vida não vivida, e que ilusoriamente confere ao El Aspirante "Carlos" (Patrick Criado) a ideia de que necessita pertencer a um grupo e, como tal, sujeitar-se a todo o tipo de ritual de iniciação que lhe é colocado. Se por um lado a solidão auto-imposta de "Fran" gera uma auto-violência imposta, é também real que a mesma solidão expõe "Carlos" ao massacre social que o grupo de "veteranos" lhe impõe excluindo-o não só da sua individualidade como de um normal desenvolvimento e formação psicológica que deveria existir fruto da normal relação com os seus pares.
Intensa e desconfortante desde o primeiro momento, El Aspirante - que deveria ser filme obrigatório em campanhas de sensibilização nas escolas - é uma curta-metragem que deixa o espectador a pensar sobre todos aqueles que vivem a tortura e a perseguição num silêncio psicologicamente desconfortante e assassino, confirmando ao mesmo tempo Juan Gautier como um nome do cinema espanhol capaz de entregar histórias onde a ficção e a realidade se tocam e cruzam, por vezes, de forma alarmante. Numa palavra... El Aspirante é imprescindível.
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