sexta-feira, 31 de março de 2017

L'Hermine (2015)

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O Sr. Juíz de Christian Vincent é uma longa-metragem francesa vencedora dos prémios de Melhor Argumento e Coppa Volpi de Melhor Actor em Veneza bem como do César de Melhor Actriz Secundária atribuído pela Academia Francesa de Cinema.
Michel Racine (Fabrice Luchini) é um temido juíz Presidente pelo seu comportamento em tribunal como aquele que nunca deixa os seus réus sair com menos de dez anos de prisão. Severo e indiferente ao que se passa ao seu redor, Michel vê toda a sua vida ser modificada quando num dos seus julgamentos encontra Ditte (Sidse Babett Knudsen), a médica que tratou dele aquando de um acidente em que se viu envolvido e que agora serve como membro do júri.
A imediata ligação que Michel sente por Ditte irá não só abalar o seu comportamento em julgamento como poderá, eventualmente, servir como motor para algo que até então ele não sentira.
Tido como um filme sucesso de bilheteira na sua França natal e premiado num dos mais importantes festivais de cinema como é o de Veneza, L'Hermine prende o espectador desde o primeiro instante em que observa os comportamentos austeros e disfuncionais de um homem que é assumidamente distante de tudo aquilo que o rodeia. O espectador conhece um "Michel" distante, frio e aparentemente adoentado mas que não recorre a ninguém para que lhe seja prestado o auxílio médico de que necessita. No entanto, e muito lentamente, observamos também que esses mesmos que o rodeiam não estariam tão dispostos a auxiliá-lo caso ele lhes recorresse. Para todos os funcionários de tribunal "Michel" é uma pessoa a evitar e mesmo dentro da sua casa o casamento está prestes a terminar. Resta-lhe apenas a autoridade dentro da sala de audiências onde aí é senhor todo poderoso de uma lei que - pensamos - nem sempre será bem aplicada.
Mas se esta estranha empatia pela personagem que Luchini interpreta é imediata, menos não é aquela que o espectador desenvolve pelo enigmático caso que é apresentada em tribunal sobre violência doméstica que resulta na morte de uma criança. Se os relatos do sucedido despertam uma vontade (do espectador) celebrar uma sentença, à medida que o processo avança e pequenos detalhes são considerados como peças chave do mesmo proporcionam que também o espectador pense que nem tudo é tão linear como aquilo que aparenta. Será esta uma estranha "dica" para que se avalie também o juíz presidente de uma outra forma?
Se até aqui L'Hermine funciona como um filme cativante é a perda desta dinâmica para uma história de suposto romance que tarde ou nunca se anuncia que quebra o ritmo de um filme que teria todo o potencial para se assumir como uma história de justiça moderna onde nem sempre as vítimas e os culpados assumem a postura que lhes é conferida. Aos poucos L'Hermine transforma-se sim na história de uma paixão que destitui o espectador de certezas judiciais e o desvia da sala de audiências para os seus corredores e exteriores onde "Michel" e "Ditte" começam a revelar o passado da sua relação, empatia, suposta intimidade e sentimento amoroso despoletado por esta última no tão austero e impiedoso juíz.
Assim, da dinâmica de tribunal àquela tida nos corredores de um coração amargurado e, também ele, tão capaz de julgar e sentir dor como aquela expressa na sala de audiência, L'Hermine perde um pouco do seu encanto enquanto filme que apresenta, expõe e julga um crime, centrando todo o seu clímax na potencial confirmação (ou não) de um romance nascido noutras paragens. Esta oscilação de esfera de interessa de justiça versus razões do coração não só faz perder algum do magnetismo de L'Hermine como, no fundo, revela que tanto naquela sala como em qualquer coração que sente, tudo é visto com os olhos da subjectividade que cada um dos envolvidos resolve depositar num caso em concreto podendo ser, tanto num lado como no outra, tomadas medidas pouco concretas e decisões pouco acertadas ou finais.
Esta oscilação entre tribunal e coração faz o espectador perder o interesse sobre aquele que aparentava ser o tópico principal desta história - a violência doméstica - e quebrar o magnetismo austero de um "Michel" de Luchini que rapidamente se transforma num suposto coração mole ao revelar todo o seu interesse por "Ditte", a tal médica agora jurada que o havia salvo anos antes. De intenso drama de tribunal - como vulgarmente são apelidadas estas histórias - a um drama sentimental mas com pouco sentimento - afinal todo este aparente romance é feito à distância de um coração amargurado e, também ele, austero - L'Hermine perde algum do seu encanto e desvanece a aura de um agressivo mistério que era conferida à personagem interpretada pelo actor francês, perdendo-se por pequenos relatos e histórias de pessoas - aqui jurados - que aparentam fazer da vida de tribunal uma "profissão" que enfrentam diariamente como se de colegas de escritório se tratassem.
De potencial drama onde se descobrem os podres de uma sociedade que parece - pelo que nos apercebemos - já não ter salvação e que oscila entre criminosos confessos ou outros escondidos e oficiais de justiça pouco preocupados com as realidades que em tempos juraram defender, L'Hermine aterra finalmente no campo do drama romântico cuja única benesse aparente consiste na hipótese lançada de que todos podem um dia encontrar a tal "outra metade" que afinal existe... mas nem sempre tão evidente quanto aparenta mas que pode ser despoletada por pequenos gestos ou momentos que nem os próprios percebem que ocorreram.
Se a Luchini - com o tempo - parece faltar a chama com que iniciou a vida do seu "Michel", a Sidse Babett Knudsen parece que a mesma nunca ganhou forma limitando-se a uma inexpressividade incompreensivelmente latente e constante da sua "Ditte" cuja causa o espectador desconhece. Será por falta de interesse ou mesmo por esconder no seu passado também motivos que a levaram a distanciar-se de um potencial amor, podendo portanto o espectador contentar-se com alguns dos desempenhos secundários no corpo dos outros membros do júri ou até mesmo numa interpretação pouco explorada mas reveladora de grande conteúdo por parte de Victor Pontecorvo que deixa o espectador preso às suas reacções e a comportamentos que, em parte, poderão denotar mais do seu íntimo do que aquilo que as autoridades e o tribunal estão ali para julgar.
Ao espectador cabe-lhe o contentamento de um potencial drama de tribunal recheado de surpresas e más interpretações que o levam a colocar em causa as suas convicções sobre quem são os inocentes e onde se encontram os culpados e a potencial redenção com L'Hermine chega se se contentar com uma inesperada e pouco dinâmica história de amor que apenas num breve instante vê confirmada como uma potencial possibilidade.
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6 / 10
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