quarta-feira, 13 de maio de 2015

Dinner for Few (2014)

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Dinner for Few de Nassos Vakalis é uma curta-metragem grega de animação que esteve presente na categoria Social da sexta edição do Piélagos en Corto - Festival Internacional de Cortometrajes de Ficción que decorreu até ao passado dia 9 de Maio na Cantábria, em Espanha.
Durante um jantar, o "sistema" funciona tal como uma máquina perfeita sem qualquer tipo de interrupção, alimentando apenas aqueles poucos que foram seleccionados e que consomem todos os recursos enquanto os demais sobrevivem com os restos que permanecem na mesa.
No entanto, tal e qual um processo em transformação, assim que os alimentos escasseiam, a luta pelo que resta desencadeia actos catastróficos que adivinham a mudança mas, no entanto, enquanto esta transição se espera como o sinal de uma esperança vindoura, aquilo que observamos é que os que agora se assumem como líderes mais não são do que uma réplica do poder então deposto.
A intensa e sentida narrativa de Dinner for Few não só é impactante pela forma como comunica através duma animação como também por ser um sentido e profundo irónico desabafo de tempos tão presentes como aqueles que vivemos nestes ditos nossos dias.
Neste relato alegórico e que é - de certa forma - mecânico, todos os elementos presentes ganham uma conotação maior e bem precisa que o espectador não ignora. Desde o conjunto de "homens" sentados àquela mesa que, todos eles, têm a figura de um porco mas, no entanto, todos eles portam elementos que os identificam com as mais destacadas e proeminentes figuras do Estado - de qualquer Estado - desde o poder judicial ao poder político passando pelo economista e o homem do clero. Aqui - ou em qualquer outro lugar facilmente confundível com a realidade - os privilegiados consomem desenfreadamente todos os recursos existentes independentemente da sua renovação ou cuidado para com aqueles que nada têm. Como tão sabiamente somos lembrados durante esta curta-metragem, Bertold Becht em tempos havis dito que "aqueles que comem até ficarem cheios falam dos maravilhosos tempos aos que nada têm". Aqui, ainda que a comunicação verbal seja inexistente dando lugar a toda uma forma de comunicar que é física, todos os pequenos movimentos, gestos e olhares das personagens que ficam nas franjas são os únicos elementos a tomar em conta e que desenrolam toda a narrativa para o fim mais ou menos esperado.
O primeiro desses ditos "marginais" é um homem forte e que incansavelmente serve os "senhores" à mesa. O belo repasto sai de uma máquina que tudo transforma para satisfazer as suas necessidades e à medida que eles precisam de ser servidos, tudo serve para os alimentar. Desde as gavetas aos móveis sem esquecer o papel de parede e até os tijolos que a compõem, o importante é que naquela mesa nada falte. No entanto, quando a estes escasseia...
Eis que chegamos ao segundo elemento marginal desta história. Os "gatos" que rodeiam os pés dos "senhores" pedindo um pouco daquilo que eles consomem e que os engorda a cada refeição que passa. Repudiados ao ponto de ser esquecidos, ostracizados por uma cúpula que desconhece (in)voluntariamente a sua existência, estes "gatos" tentam a sua sorte ou com os restos que caem da mesa - mas que não lhes pertencem - ou até mesmo investindo para chegar ao topo da mesma que parece longínqua e impossível de alcançar.
Quando um destes renegados tenta perceber aquilo que o "sistema" faz - os "porcos que o dirigem" - percebemos que estes se encontram acorrentados por uma vil serpente que afasta todos aqueles que ousam perceber ou infiltrar-se no seu mecanismo. Eis que nos deparamos com a primeira grande questão: que sistema é este que aparentemente nos (des)governa e dirige e que, na prática, está feito refém de algo maior que todos desconhecemos?!
No entanto, consumo atrás de consumo até todos os recursos terem sido esgotados, o que acontece quando a necessidade e a fome reclamam por mais? O que acontece quando nada nem ninguém é capaz de providenciar a satisfação das necessidades básicas daqueles que já nada têm ou tão pouco as daqueles que "foram tendo"? O que acontece quando já não há nada a perder? Este é o momento que procede o caos, a revolta, a revolução e a destutição de um poder que se instalou e acomodou a não fazer nada. No entanto a segunda grande questão que Vakalis aqui nos coloca é se o poder pode realmente ser substituído e renovado por outro que consiga de facto satisfazer estas necessidades tidas como básicas?!
Numa perfeita alegoria com estes conturbados tempos modernos em que quem tem muito mais tem e quem tem pouco perto está de eclipsar-se definitivamente e com ele(s) levar o pouco de ordem - também ela ilusória - que ainda existe, Dinner for Few - realmente muito poucos - é surpreendente não só pela forma como retrata estes dias mas principalmente pela capacidade de, através da animação e da linguagem utilizada, comunicar intergeracionalmente revelando aquilo que todos nós suspeitamos do nosso mundo "real", ou seja, que estamos perante um sistema incapaz de nos liderar, incapaz de nos governar e principalmente incapaz de satisfazer nos propósitos básicos com os quais se comprometeu. No fundo, Dinner for Few revela-nos que estamos estranhamente entregues às nossas próprias mãos e que só delas poderá um dia chegar um qualquer tipo de salvação desde que, no entanto, não se deixa levar pelos caprichos e inuendos do poder que espreita tenebrosamente a todos as esquinas prestes a nos acorrentar e devorar pela nossa própria cobiça.
Numa estrutura que pode ruir a qualquer momento - tal como o hotel em que aquele sistema se instalou - Vakalis e o seu Dinner for Few esclarecem-nos clara e rapidamente que a História tende a repetir-se. Que os "talheres" que nos - ou a alguns - servem podem sair de uma urna viciada e já comprada antes sequer de servir e que a tempestade - seja ela qual fôr - está próxima e preparada para com ela tudo (e todos) levar. Que o poder corrompe e com ela trás a ganância, a injustiça, a decepção e a corrupção sempre revestidas de um rosto polido, afável e que por isso deveria ser suspeito, questionado e chamado à sua responsabilidade.
Curiosa é ainda a ironia - propositada ou não - de Dinner for Few ao colocar o "poder" nas mãos de uma já nossa conhecida figura - o "porco" - numa clara reminiscência de Animal Farm, de George Orwell (1954), onde os porcos controlavam a quinta em que se encontravam destronando o "Homem" dando de seguida origem à sua velha máxima de que "todos os animais são iguais, mas uns mais que outros", facto que podemos aqui constatar quando é, também aqui, o "Homem" que os serve enquanto os referidos animais se encontram sentados à mesa a satisfazer de forma freneticamente animalesca as suas necessidades básicas alimentando-se de forma voraz como se o dia de amanhã já não fosse existir... e de certa forma...!
Mas no final, aquilo que Vakalis e a sua curta-metragem nos revelam é que nós - todos nós - incapazes de assumir - e fazer assumir - esta responsabilidade governativa e eleitoral passamos cegamente o poder ao próximo que sabendo estar livre dessa responsabilização se alimenta o mais que pode de tudo o que tem ao seu dispôr, esquecendo, ignorando e até ostracizando todos aqueles ditos "pequeninos" que circulam à sua volta... porque o que "há"... é pouco para "mim", conseguindo desta forma perpetuar-se no poder. Dias selvagens... questionar-se-à no final o espectador...
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