La Cosecha de Roberto Santiago é uma longa-metragem espanhola de ficção na qual vinte e quatro jovens desconhecidos se encontram numa casa para aquilo que será uma festa diferente do habitual.
Todos se conheceram online e o primeiro objectivo é um encontro muito descontraído em casa de Tyrrell (Álvaro Fontalba), um rapaz algo retraído e tímido que está encarregado não só de gravar na primeira pessoa aquilo que a noite irá trazer como de todos os preparativos para o que daí virá. Numa casa filmada de todos os ângulos e a todo o momento, estes jovens preparam-se para uma noite da qual apenas um irá sair com vida.
Recorrendo a todos os truques da mente humana e algumas ajudas de todo o tipo de armas que uma casa pode esconder, qual destes jovens conseguirá escapar com vida e ver a luz do dia seguinte?
O argumento da autoria do próprio realizador e de Pablo Fernández Vázquez transporta-nos para o imaginário The Hunger Games muito rapidamente. Em primeiro lugar logo pelo seu título - La Cosecha tem como tradução A Colheita - e de seguida por todos os elementos técnicos como a gravação de todos os lugares a todo o momento sem esquecer o óbvio assobio que não deixaria a partir de então qualquer dúvida. No entanto, não é menos verdade afirmar que ainda que tendo elementos que o aproximam da referida obra, tem também aquele que lhe confere alguma originalidade no género nomeadamente o facto de transportar todo um cenário de um jogo de luta pela sobrevivência futurista para a nossa realidade presente e para um domínio que pode ser bem mais próximo como, por exemplo, o jardim das traseiras de qualquer lar mais ou menos suburbano.
Aquilo então que o espectador se questiona é relativamente simples... até que ponto conhecemos aqueles com quem diariamente nos cruzamos e, muito concretamente, o que se passa nas redes sociais por onde este "simpático" grupo se conheceu? O que se planeia escondido dos olhares mais atentos? Quem por lá anda e com que intenções? Até que ponto o mais inofensivo dos lares é realmente inofensivo?
Identificados por números e nunca pelos seus nomes, estes jovens representam a juventude dos nossos tempos... Com profissões mais ou menos distintas, gostos algo semelhantes e uma idade próxima, todos eles aparentam ser, a olho nu, o reflexo daquilo que a sociedade possui... Desde estudantes a donas de casa, de porteiros a desempregados e até um padre, todos eles são um pouco do dia-a-dia de todas as cidades, passando mais ou menos despercebidos aos olhares mais indiscretos mas todos eles revelam uma certa insatisfação com essa rotina que os assombra diariamente. Do mais cool ao mais inadaptado, todos aparentam um nervosismo natural de um grupo que acaba de se conhecer mas que parece estranhamente adaptar-se... No entanto, o espectador percebe que esta aparente calmaria está prestes a terminar.
É no início desta "jogo" - macabro - que finalmente se revelam as diferentes naturezas humanas. Uns que esperavam um jogo apenas como uma forma de diversão, outros que revelam estranhas alianças como forma de sobreviverem mas que para tal são capazes de matar de forma bárbara e cruel e finalmente aqueles que apenas tentam escapar até que tudo acabe sem que ninguém dê pela sua presença. Temos de tudo neste jogo - e nesta casa - principalmente a revelação do verdadeiro espírito humano, ou seja, um animal selvagem prestes a revelar-se desde que lhe dêem a oportunidade. Num misto de The Hunger Games vs. Funny Games vs. Battle Royale e com o pretexto de uma sobrevivência - pós jogo -, o espectador acaba por nunca saber o que levou a este encontro... Talvez uma estranha fama ou o reconhecimento das redes sociais, talvez a prisão ou mesmo a morte, todos eles se motivam e deixam levar por um jogo de tortura e sadismo que se torna difícil de explicar e mais ainda de entender restando apenas a única explicação capaz para tudo... não existe nenhuma. O Homem é um animal perigoso e selvaticamente amordaçado pela leis de convivência em sociedade sendo, no entanto, violento, impiedoso e perigoso no seu íntimo e que, quando dada a oportunidade, se torna selvagem e irracional capaz do pior para garantir a sua supremacia.
No entanto, é quando pensamos que as surpresas já não irão chegar e que estamos apenas perante uma carnificina que garante a sobrevivência apenas de um, que o espectador é finalmente surpreendido pelas intenções - ou motivos - de um jovem que são revelados com a chegada de dois novos "jogadores".
Despojado de qualquer artifício ou efeitos especiais ou até de um argumento que prime pela originalidade ou novidade La Cosecha consegue, no entanto, cativar pela relativamente espontânea capacidade do Homem moderno em se tornar selvagem e desprovido de todos os sentidos ou valores anteriormente retidos em sociedade. Talvez um escape que um "animal" encontra... talvez na prática nunca tenha sido socialmente integrado, La Cosecha deixa no ar a eterna pergunta sobre até que ponto estamos todos nós "domesticados" com as regras às quais desde crianças somos submetidos?
Ainda com uma pitada de comédia negra - e sangrenta - La Cosecha sobrevive pelo seu espírito fresco e por vezes divertido - mesmo dentro de um banho de sangue - com que se consegue impôr e pelas perguntas que levanta sem que com isso fuja à sua natural essência de filme de suspense e algum "terror" conferido pelo que de real tem nas suas dimensões da sociedade moderna. Num mundo em que a televisão e as redes sociais estão à distância de um "click"... estará a fama assim tão longe do nosso alcance permitindo a qualquer um ser "famoso" apenas porque se tornou num rosto conhecido?
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