La Gallina de Manel Raga é uma curta-metragem espanhola de ficção que marcou presença na secção Nacional da sexta edição do Piélagos en Corto - Festival Internacional de Cortometrajes de Ficción que decorreu na Cantábria, em Espanha até ao passado dia 9 de Maio.
Através do olhar de um Rapaz (Arnay Gallén) assistimos à sua rude vida diária num ambiente rural que lhe é hostil. Quando a Mãe (Sílvia Sabaté) morre e o Pai (Joaquín Ortega) fica obcecado por uma galinha que assume como sendo sua companheira todo o ambiente se separa por uma linha muito ténue entre sonho e realidade.
Raga escreve o argumento desta curta-metragem baseado no conto homónimo inserido na compilação Mi Cristina y Otros Cuentos de 1967 da autoria de Mercè Rodoreda, recriando uma história que inserida num meio rural rude e inóspito mescla elementos de uma vivência dura mas, ao mesmo tempo, confunde o espectador sobre a sua veracidade ou presença de um sonho abstracto e principalmente surreal.
Se por um lado estamos perante uma observação participativa de um ambiente e de um espaço geográfico que parece estar perdido algures entre a realidade e a ficção trazido pelos olhos de um jovem rapaz a quem aquele lugar parece pouco dizer ou criar algum tipo de ligação, não é menos verdade que a dimensão de "sonho surreal" ganha uma crescente validação se olharmos para alguns elementos enquanto espectadores que se encontram fora do mesmo. Por um lado esta ideia de "sonho" ganha algum crédito quando analisamos os comportamentos de todos intervenientes, ou seja, enquanto aquela criança assiste de forma algo serena a uma mãe que se desvanece, a um pai que enlouquece e exibe comportamentos animalescos e a uma galinha que se impõe dentro de uma casa como se comandasse os destinos da mesma.
Ao mesmo tempo, estamos perante toda uma acção que se desenvolve sem que escutemos grandes sons ou qualquer tipo de diálogo entre as personagens mas, na prática, quantos de nós se recordam de qualquer diálogo ou "conversa" tida com outros intervenientes nos seus sonhos? De seguida assistimos também a todas estas personagens que vagueiam por este espaço de forma perdida e experimental como que se estivessem a conhecer o território e suas formas - algumas exageradas como o assistimos em relação ao formigueiro que por momentos parece saído de um quadro de Dalì - e perguntamo-nos se aquele espaço é realmente o seu ou se, por sua vez, se encontram perdidos e irreconhecíveis tentando perceber que lugar é afinal aquele.
Presentes neste que é um espaço aparentemente privado de vida - pelo menos de uma vida física e terrena - Raga tenta assim destacar a sensibilidade de uma criança que pode ter acabado de "chegar" ali, a um espaço apagado, doente e até mesmo morto onde apenas resistem pensamentos desconexos de uma consciência que ainda não percebeu o seu próprio desaparecimento e extinção.
A comunicação verbal, que como já referida é aqui uma ausência, é substituída por uma música desconexa e de até desprovida de sentido composta por Pep Gimeno e Carles Santos, que confere assim uma acentuada percepção de que aqueles três seres podem já não pertencer a uma dimensão real e humana. Na prática nada nos indica que eles ainda estejam "entre nós", e não só os seus comportamentos mais animalescos como a percepção de que aquele ambiente e espaço são impróprios para qualquer vida humana podem, no fundo, mais não ser do que constatações de que se encontram numa outra dimensão quer seja ela definitiva ou até mesmo transitória.
No entanto, La Gallina permite-nos ainda ter uma interpretação mais terrena se enquadrarmos as acções como uma consequência do meio, ou seja, até que ponto não se torna o Homem num ser mais rude e austero se o próprio o meio o é ao providenciar menos recursos, menos formas de subsistência e, dessa forma, condicionando a sua própria existência? Um coelho degolado e esfolado - com o qual se pode criar um paralelismo com o abuso da "mãe" sendo ambos devorados pelo "pai" - ... as formigas que percorrem o espaço à procura de restos de alimento para a sua subsistência, o meio natural selvagem, uma galinha que pica e não fornece alimento parecem, todos eles, elementos de um espaço primitivo onde poucos conseguem resistir.
La Gallina é assim uma curta-metragem que facilmente o espectador insere numa corrente surrealista, inicialmente desprovida de um sentido lógico mas que apela aos instintos mais básicos da existência e da sobrevivência lançando as suas personagens num caminho errante que ora se assume claustrofóbico ao remeter o medo de estar dentro daquela casa rude e opressiva como, ao mesmo tempo, exala elementos agorafóbicos denotando elementos agressivos e de parca subsistência por todo o exterior. O espectador, no final, insere-se numa das abordagens que aqui refiro e deleita-se com toda uma excelência fílmica que passa pela direcção de fotografia de Jesús Merino, pela caracterização de Danae Gatell, Clara Mitjavila e Esmeralda Molero que transforma as suas personagens em elementos fantasmagóricos que procuram o seu próprio lugar, sem esquecer o magnífico design de produção de Romina Haussman que a todos - espectador e personagens - coloca no limbo e finalmente uma edição a cargo de Pau Itarte que descontroladamente controlado une todos os elementos e segmentos para que todas as incertezas e questões fiquem no ar.
Através do olhar de um Rapaz (Arnay Gallén) assistimos à sua rude vida diária num ambiente rural que lhe é hostil. Quando a Mãe (Sílvia Sabaté) morre e o Pai (Joaquín Ortega) fica obcecado por uma galinha que assume como sendo sua companheira todo o ambiente se separa por uma linha muito ténue entre sonho e realidade.
Raga escreve o argumento desta curta-metragem baseado no conto homónimo inserido na compilação Mi Cristina y Otros Cuentos de 1967 da autoria de Mercè Rodoreda, recriando uma história que inserida num meio rural rude e inóspito mescla elementos de uma vivência dura mas, ao mesmo tempo, confunde o espectador sobre a sua veracidade ou presença de um sonho abstracto e principalmente surreal.
Se por um lado estamos perante uma observação participativa de um ambiente e de um espaço geográfico que parece estar perdido algures entre a realidade e a ficção trazido pelos olhos de um jovem rapaz a quem aquele lugar parece pouco dizer ou criar algum tipo de ligação, não é menos verdade que a dimensão de "sonho surreal" ganha uma crescente validação se olharmos para alguns elementos enquanto espectadores que se encontram fora do mesmo. Por um lado esta ideia de "sonho" ganha algum crédito quando analisamos os comportamentos de todos intervenientes, ou seja, enquanto aquela criança assiste de forma algo serena a uma mãe que se desvanece, a um pai que enlouquece e exibe comportamentos animalescos e a uma galinha que se impõe dentro de uma casa como se comandasse os destinos da mesma.
Ao mesmo tempo, estamos perante toda uma acção que se desenvolve sem que escutemos grandes sons ou qualquer tipo de diálogo entre as personagens mas, na prática, quantos de nós se recordam de qualquer diálogo ou "conversa" tida com outros intervenientes nos seus sonhos? De seguida assistimos também a todas estas personagens que vagueiam por este espaço de forma perdida e experimental como que se estivessem a conhecer o território e suas formas - algumas exageradas como o assistimos em relação ao formigueiro que por momentos parece saído de um quadro de Dalì - e perguntamo-nos se aquele espaço é realmente o seu ou se, por sua vez, se encontram perdidos e irreconhecíveis tentando perceber que lugar é afinal aquele.
Presentes neste que é um espaço aparentemente privado de vida - pelo menos de uma vida física e terrena - Raga tenta assim destacar a sensibilidade de uma criança que pode ter acabado de "chegar" ali, a um espaço apagado, doente e até mesmo morto onde apenas resistem pensamentos desconexos de uma consciência que ainda não percebeu o seu próprio desaparecimento e extinção.
A comunicação verbal, que como já referida é aqui uma ausência, é substituída por uma música desconexa e de até desprovida de sentido composta por Pep Gimeno e Carles Santos, que confere assim uma acentuada percepção de que aqueles três seres podem já não pertencer a uma dimensão real e humana. Na prática nada nos indica que eles ainda estejam "entre nós", e não só os seus comportamentos mais animalescos como a percepção de que aquele ambiente e espaço são impróprios para qualquer vida humana podem, no fundo, mais não ser do que constatações de que se encontram numa outra dimensão quer seja ela definitiva ou até mesmo transitória.
No entanto, La Gallina permite-nos ainda ter uma interpretação mais terrena se enquadrarmos as acções como uma consequência do meio, ou seja, até que ponto não se torna o Homem num ser mais rude e austero se o próprio o meio o é ao providenciar menos recursos, menos formas de subsistência e, dessa forma, condicionando a sua própria existência? Um coelho degolado e esfolado - com o qual se pode criar um paralelismo com o abuso da "mãe" sendo ambos devorados pelo "pai" - ... as formigas que percorrem o espaço à procura de restos de alimento para a sua subsistência, o meio natural selvagem, uma galinha que pica e não fornece alimento parecem, todos eles, elementos de um espaço primitivo onde poucos conseguem resistir.
La Gallina é assim uma curta-metragem que facilmente o espectador insere numa corrente surrealista, inicialmente desprovida de um sentido lógico mas que apela aos instintos mais básicos da existência e da sobrevivência lançando as suas personagens num caminho errante que ora se assume claustrofóbico ao remeter o medo de estar dentro daquela casa rude e opressiva como, ao mesmo tempo, exala elementos agorafóbicos denotando elementos agressivos e de parca subsistência por todo o exterior. O espectador, no final, insere-se numa das abordagens que aqui refiro e deleita-se com toda uma excelência fílmica que passa pela direcção de fotografia de Jesús Merino, pela caracterização de Danae Gatell, Clara Mitjavila e Esmeralda Molero que transforma as suas personagens em elementos fantasmagóricos que procuram o seu próprio lugar, sem esquecer o magnífico design de produção de Romina Haussman que a todos - espectador e personagens - coloca no limbo e finalmente uma edição a cargo de Pau Itarte que descontroladamente controlado une todos os elementos e segmentos para que todas as incertezas e questões fiquem no ar.
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