quarta-feira, 13 de maio de 2015

Moiré (2014)

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Moiré de Juancho Bañuelos e Estefanía Cortés é uma curta-metragem espanhola de ficção presente na Secção Social da sesta edição do Piélagos en Corto - Festival Internacional de Cortometrajes de Ficción que decorreu até ao passado dia 9 de Maio na Cantábria, em Espanha.
Cada casa guarda os segredos de uma família e a de Sergio (Hugo Arbues) não é diferente. Todos os dias durante uma hora Sergio auxiliado pela sua avó Carmen (Ana Gracia) pode transformar-se naquilo que sente realmente ser... uma menina.
É, no entanto, quando o seu comportamento é descoberto pelo avô Antonio (Miguel Zúñiga) que Elena (Inma Cuesta), mãe de Sergio tem finalmente de tomar uma atitude que irá para sempre mudar as suas vidas.
A dupla de realizadores - e também argumentistas - entrega uma história que tem tanto de emotiva como de transgressora por abordar de forma cândida e honesta um tema ainda relativamente tabu como o da transexualidade que neste caso concreto se manifesta através de uma jovem criança que tendo nascido menino se vê como uma menina.
Sem recorrer a qualquer tipo de afirmação, Moiré impõe-se como uma sensível curta-metragem que nos mostra em primeiro lugar o tradicional lar católico espanhol onde a definição dos papéis sociais e a identificação de género não geram qualquer tipo de confusões ou questões. O homem nasce homem e a mulher como uma mulher não existindo margem para qualquer tipo de comportamentos desviantes como é o de "Sergio" para um conservador e violento "Antonio" que considera pouco normal que o seu neto passe tanto tempo na companhia das mulheres da casa.
"Sergio" é, como tal, uma criança diferente. O espectador desconhece se possui amigos ou uma infância dita "normal" como todas as outras crianças. Aquilo pouco que conhecemos dos seus hábitos prende-se exclusivamente com o seu segredo o qual é apenas do conhecimento da mãe e da avó - ambas a viver com medo de "Antonio" - que o escondem do avó por saber que o seu comportamento pode ser não só abusivo como principalmente violento. Contido nas suas manifestações afectivas bem como na interacção social que tem, "Sergio" é uma criança compreensivelmente afectada por aquilo que sente e esconde ao mesmo tempo que existe uma óbvia necessidade de se comportar tal como é e ter dessa forma o seu natural desenvolvimento enquanto ser humano.
No entanto os medos de "Sergio" seriam irremediavelmente testados quando o seu avô descobre aquilo que todos tentam esconder causando um clímax na violência psicológica pela qual a criança está sujeita - se inicialmente esta violência chega pela forma do segredo ao qual se vê obrigado a manter, não é menos verdade que os últimos instantes denotam que foi vítima de maus tratos / humilhação aos mãos de um avô que considera que os meninos brincam com a bola de futebol e as meninas com bonecas e na cozinha.
A humilhação que está sempre presente em Moiré primeiro graças a uma falta de acompanhamento psicológico a uma criança que claramente não se sente bem dentro da pele com que nasceu sendo de seguida exponenciada com o ambiente violento e ultra-conservador em que vive. Finalmente, humilhação ainda presente na forma como a sua identidade de género é revelada ao mundo de forma crua, forçada e violenta que é apenas contida graças a uma final tomada de posição por parte de uma mãe que percebe ter finalmente de proteger o seu filho contra todas as vontades e caprichos de um pai e de uma sociedade que insiste em não (querer) compreender.
O jovem Hugo Arbues tem uma interpretação desarmante repleta de silêncios que comunicam de forma mais intensa do que qualquer diálogo que poderia ter sido incutido à sua personagem e os seus olhos choram pela tortura psicológica de que a sua personagem é alvo. Enquanto espectador faz-me questionar que tipo de preparação terá tido para entregar tão intensa interpretação enquanto uma criança torturada por viver num corpo que sente não ser o seu. Por sua vez, há ainda que destacar a igualmente intensa - e aqui nada contida - interpretação de Miguel Zúñiga enquanto o tortuoso avô "Antonio", um homem de outros tempos e com outros costumes que defende violentamente que a sua casa é o seu reino e os seus costumes as leis que todos têm de seguir. Quando o mundo lhe escapa entre os dedos... então deve ser radicalmente eliminado.
As duas interpretações funcionam como claros opostos que se complementam. A violência expressa por um é imediatamente apagada com a doçura do outro. Arbues consegue, aliás, com uma personagem violentada transformar a sua dor numa estranha e arrebatadora candura não muitas vezes conseguida especialmente se considerarmos a jovem idade deste actor que - espero - tenha uma longa e plena carreira enquanto actor.
Moiré consegue assim levantar mais uma vez a discussão sobre um tema complicado e para tantos ainda tabu como o é o da identidade de género e levá-lo um pouco mais longe ao abordá-lo sob a perspectiva não de um adulto que tenha uma vida vivida com o tormento de se sentir no corpo errado mas sim pelos olhos de uma criança que ainda no seu período de formação consegue de forma lúcida e clara perceber que aquele corpo que vê no espelho não é o seu. Consegue ainda levar o espectador questionar-se sobre a parentalidade e a forma como os progenitores podem defender, compreender e apoiar as delicadas questões com as quais os seus filhos vivem, principalmente quando estas podem ser tão determinantes como o é a identidade de género identificada numa tão jovem idade evitando que cresçam com a percepção de que são diferentes, excluídos e marginalizados.
Inteligente, aliciante, muito bem escrita, dirigida e interpretada bem como extremamente emotiva, Moiré é seguramente um dos filmes curtos mais emblemáticos do último ano e uma obra que será referência para o futuro na carreira destes dois realizadores.
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10 / 10
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