Cedo de Vicente Moreno é uma curta-metragem de ficção brasileira presente na secção Internacional da sexta edição do Piélagos en Corto - Festival Internacional de Cortometrajes de Ficción que decorreu até ao passado dia 9 de Maio na Cantábria, em Espanha.
Num qualquer hospital, um paciente acamado escuta uma reportagem sobre a Eutanásia. Quando o enfermeiro que trata dele se aproxima, o homem verbaliza-lhe algo que fica ocultado do espectador.
Ao mesmo tempo no corredor ao lado, a sua filha é abordada pela direcção do hospital que a questiona quanto aos pagamentos em atraso sobre os cuidados médicos prestados ao seu pai. A crise e a consequente falta de dinheiro fazem-na revelar que terá de ficar sem casa.
Vicente Moreno apresenta uma silenciosamente devastadora curta-metragem onde se colocam várias questões sociais que em pouco mais de treze minutos tem o seu merecido espaço. Por um lado o espectador é imediatamente confrontado com uma reportagem sobre eutanásia... o direito de escolher a "morte amiga", indolor e reconfortante. A ouvi-la está um homem cujas forças parecem abandoná-lo a um ritmo acelerado e que tem uma última vontade. Um último pedido que tece àquele que de mais perto o acompanha.
No fundo todos nós sabemos qual o pedido pois este é inserido em toda aquela atmosfera de fim. De passagem para uma outra dimensão que termine com o sofrimento de um homem que parece já não ter ser. No entanto, o dilema moral é colocado àquele que o escutou e em confissão sentiu o seu pedido. O dilema moral não é para este homem que definha mas sim para o enfermeiro que acompanha todos os momentos bons e menos bons de todos os pacientes com quem se cruza diariamente. É a ele que compete o auxílio necessário para que tudo termine. Se para um é o fim de uma difícil etapa, para o outro é o culminar de todo um conjunto de questões com as quais terá de se debater a partir desse momento.
Mas os dilemas não terminam por aqui. Eles continuam "mesmo ao lado" quando uma filha esgotada pelo desgaste do seu pai se vê, também ela, confrontada não só com a sua extinção mas, ao mesmo tempo, com o terminar dos seus bens e seguranças de uma vida de trabalho e esforço. O dinheiro é escasso e os bens providenciam os bons cuidados do seu pai. Que sistema é este que para tratar de um moribundo condena à miséria económica e social aqueles que os acompanham e que estão assim limitados nos seus recursos?
No final o espectador é então confrontado com aquela questão que ensombra toda esta curta-metragem e que afecta os seus três personagens... Afinal, até que ponto existir é diferente de viver? Para aquele homem preso a uma cama que o vê definhar aos poucos a sua existência já não é viver. Para o enfermeiro que o acompanha, o dilema moral no qual é colocado podem significar que a sua vida deixa de ter uma existência. Finalmente, para a filha que se vê na eventual perda de um pai e dos seus bens para a manutenção do seu conforto pode, também ela, significar que apenas existe sem viver.
O dilema é assim a questão fundamental de todo este argumento que dá vida - ironia da construção frásica - a todo um conjunto de perguntas que o espectador vê (in)voluntariamente colocadas à sua frente em tão pouco tempo como o é os treze minutos quase silenciosos desta curta-metragem, que o perseguem e fazer questionar não só nas suas crenças como naquelas dos que acompanha. Afinal, contrariamente ao que tantas vezes é difundido, a eutanásia não é uma escolha dos que ficam mas sim daqueles que percebem ter chegado o seu momento de partir.
.
9 / 10
.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário