Trekanter af Lykke de Jannik Dahl Pedersen é uma curta-metragem de ficção dinamarquesa que esteve presente na Competição Internacional da sexta edição do Piélagos en Corto - Festival Internacional de Cortometrajes de Ficción que decorreu de 2 a 9 de Maio últimos na Cantábria, em Espanha.
Hanne (Iben Dorner) e Carsten (Thomas Magnussen) são um casal de classe média alta. Ambos tentam desesperadamente manter o estatuto e as aparências junto da vizinhança que se preocupa sempre em saber o que eles têm ou vão fazer. No entanto, como conseguirão eles manter a ilusão da família perfeita quando estão a viver uma dura crise financeira?
O genial e cru argumento de Mie Skjoldemose não poderia ter chegado numa melhor altura do que aquela que esta Europa atravessa. Aquilo que me seduziu de imediato nesta curta-metragem foi o facto de retratar de forma humorística mas, ao mesmo tempo, honesta e muito humana um problema que tem afectado tantas famílias um pouco por toda a Europa. No entanto, quando escutamos os mais diversos relatos noticiosos sobre "a crise", raramente a associamos a outro local que não a um sul do continente e aos tão badalados resgates financeiros quando aqui, muito frontalmente Jannik Dahl Pedersen filma a crise ao seu extremo mas, numa sociedade teoricamente perfeita como a tão nórdica Dinamarca.
Os sinais dessa crise são evidentes a cada segundo que o espectador avança no seu visionamento partindo desde o imediato e mais óbvio detalhe de nunca se filmar - num ponto de visto externo à casa - outro espaço que não aquele que fica aos olhos da vizinhança... a sala de refeições. Para o mundo "Hanne" e "Carsten" são o casal perfeito. A família perfeita. O trabalho perfeito. E a vida perfeita. Tudo corre bem sem um único detalhe menos positivo que apontar. No entanto, no imediato instante em que somos levados para o interior daquela bela casa num bairro de classe média alta, o espectador começa a notar nos pequenos detalhes que haviam escapado, nomeadamente uma casa que mais não tem do que o suficiente para causar boa impressão a quem "espreita" mas que está despojada de tudo o resto. Desde mobiliário aos quadros que antigamente ocupavam as paredes da casa, electrodomésticos ou até as pratas símbolo da ostentação estão agora desaparecidos.
Mas o que fazer quando os acontecimentos começam a escapar do controle? É essa a questão que "Hanne" tenta ao longo desta curta-metragem responder dando-lhe a melhor solução que as aparências que pretende manter lhe permitem. A casa está prestes a ser penhorada pela financeira. Os bens já são poucos e o marido já não tem trabalho. O filho está a dias de ter de começar a estudar na escola pública e alguns dos vizinhos podem começar a suspeitar. Mas, e quando já nada existir como escapar à evidente bancarrota?! Trekanter af Lykke consegue então de forma engenhosa e muito humor negro responder às alucinações de alguém que prefere primeiro cometer um crime do que responder pelas suas carências e dificuldades. O luxo e a opulência perdidos falam mais alto e o nível de vida tem de ser mantido independentemente do que custar. "Hanne" é uma mulher à beira de uma demência sem limites e nada nem ninguém a poderão demover do seu plano... nem mesmo ou vizinhos intrometidos que se tornam - para ela - obstáculos fáceis de ultrapassar.
A crise e os seus efeitos - neste caso uma perfeita demência - levam aqueles que a atravessam a medidas extremas. A sobrevivência - do espírito e principalmente da imagem - fazem "Hanne" ultrapassar qualquer barreira que, num estado mental equilibrado, seriam impossíveis sequer de conceber. Iben Dorner, numa intensamente genial e hilariante interpretação que faz recordar os mais apurados momentos de qualquer personagem feminina de Almodóvar, conquista o público não só pela forma como parece encontrar resposta para todos os problemas da sua "Hanne", mas também por conseguir transportar uma crise financeira tão Mediterrânica para um frio nórdico mostrando que a esta - crise - ninguém está imune. E se os seus pensamentos não bastassem para nos conquistar, quando os coloca em prática já tem o espectador a venerar todos os seus engenhosos recursos e a admirar uma mente que ultrapassou os seus próprios limites.
Com uma música original de Mathias Bjørnskov que recria uma atmosfera alucinadamente macabra que me transportou para um imaginário de La Comunidad, de Aléx de la Iglésia, Trekanter af Lykke ganha vida e forma num bairro tranquilo e idílico que rapidamente se transforma no palco de uma batalha de sangue onde vale tudo... mesmo ultrapassar os limites da razão humana... literalmente falando.
E para aqueles que têm dúvidas de que os temas sérios ganham uma perspectiva ainda mais dura quando retratados através de um olhar cómico e bastante sarcástico, Trekanter af Lykke comprova facilmente que não existe nada mais duro do que a comédia, principalmente quando através dela se retratam as dores humanas. Simplesmente soberba!
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