quinta-feira, 14 de maio de 2015

Garand (2014)

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Garand de Rodrigo Atiénzar é uma curta-mentragem espanhola de ficção presente na secção Nacional da sexta edição do Piélagos en Corto - Festival Internacional de Cortometrajes de Ficción que decorreu na Cantábria, em Espanha até ao passado dia 9 de Maio.
Sem saber qual o seu fim, Fernando é convidado pelo patrão Antonio para um fim-de-semana de caça. A acompanhá-lo vão Helena e Marcos - mulher e filho - que se mantêm afastados deste propósito.
Quando um veado é inesperadamente abatido por Antonio, o jovem Marcos decide elaborar um plano de vingança com a ajuda de um dos trabalhadores de Antonio que decide assim dar-lhe uma dura e valiosa lição.
Para lá de uma não tão simples história de vingança, o argumento de Garand - da autoria do realizador - prima pela capacidade de estabelecer diversos outros caminhos prestes a serem explorados ou pelo menos mencionados no decorrer de toda a acção. Se inicialmente acompanhamos os propósitos desta família que tenta que o pai não perca o trabalho caindo nas boas graças do chefe, não é menos verdade que aos poucos assistimos a uma história que entra por um rumo onde se tenta demonstrar o poder - o verdadeiro poder - quem o exerce e a forma como o impõe aos demais. Longe de ser um líder ou denotar características de liderança, aquele homem revelasse enquanto um déspota que por saber ter tantos indivíduos sob a sua alçada ou usa - e deles abusa - para os seus propósitos independentemente das suas crenças pessoais. Nenhum deles conta verdadeiramente enquanto indivíduo mas sim como um veículo para o seu próprio exercício de poder podendo, inclusive, sofrer diversos tipos de humilhação se isso fôr vantajoso - ou desejado - pelo chefe.
Numa casa onde tantos funcionários existem cada um deles com os seus propósitos e funções, é de admirar que todo o ambiente se denote tenso e sem vida, escuro e quase fantasmagórico - brilhante a direcção de fotografia de Daniel Saavedra - que distribui por todo aquele espaço repleto de actividade uma inexistência de vida apenas semelhante a um espaço abandonado. Todos se tornam praticamente invisíveis apenas surgindo quando a sua presença é estritamente necessária. Todos, sem aparente excepção, repudiam aquele homem para quem trabalham apenas estando na sua companhia porque tal como todos os demais necessitam do seu sustento, sendo que nenhum tem por ele qualquer tipo de empatia.
É no entanto Marcos (Marcos Ruiz) que se destaca pela actividade justiceira. Não ignorando que o seu próprio pai é um dependente daquele homem, o jovem questiona-se se o seu próprio sustento e sobrevivência têm de depender da extinção dos demais... E quando a morte mais não é do que um fim para adornar uma parede... Não terá chegado a altura de fazer justiça pelas próprias mãos?
Pelo meio de uma história que se inicia como um retrato dos dias de hoje onde vale tudo para explorar e tudo se faz para sobreviver, o que acontece quando alguém decide contornar as regras e apresentar-se como alguém que se impõe, faz de Garand uma curta-metragem que rapidamente se deixa levar pelos contornos do cinema fantástico que sem grandes adornos ou efeitos se transforma num exemplar do cinema gótico e do macabro conseguido graças à já referida direcção de fotografia e a um sentido desejo de vingança que rapidamente transforma toda aquela casa senhorial num espaço labiríntico e claustrofóbico que num instante parece enclausurar todos no mesmo pequeno espaço.
É então que quando o espectador pensa que a caça terminou no bosque que circunda a casa que finalmente percebe que afinal esta está prestes a começar dentro daquelas quatro paredes e que a justiça e a consequente vingança ganham forma pelos comportamentos da mais inesperada das personagens - "Marcos" - e de todos aqueles que trabalham para "Antonio" que o desprezam com a mesma intensidade que este dava ordens ignorando aos seus olhos todo o mal que o transforma.
Dominação e vingança, abuso de poder e libertação face à opressão, Garand reflecte sobre a existência humana, sobre a sua condição e sobre o exercício de liberdade - ou sua privação - de uma sociedade dita moderna e onde seria de esperar que a consciencialização do homem o libertasse de amarras de outros tempos mas que, no entanto, estão aqui alegoricamente reflectidas sobre o espírito de um desporto mórbido, sem propósitos e que apenas confirma essa mesma dominação do Homem sobre o Homem onde o primeiro diz "eu possuo-te e faço de ti o que quero" e onde se espera que a resposta seja inexistente.
Sem esquecer a magnífica música original de Jorge Mira que faz de Garand um filme que oscila entre a comédia negra e o drama de vingança - muito negro -, o último destaque vai para a soberba interpretação de Mariano Venancio como "Antonio", um homem educado com a ideia de que ele é o centro do universo e que todos têm como obrigação reconhecer o seu poder e estatuto que oscila entre o desconfortavelmente simpático e o mórbido não esquecendo uma leve mas não breve descida à loucura que lhe condiciona todo o raciocínio transformando-o no tipo de vilão ideal, não diferenciado entre os demais que circulam todos os dias à nossa volta e que, como tal, se torna num perigo anónimo prestes a atacar a qualquer momento.
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9 / 10
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