quinta-feira, 14 de maio de 2015

Los Huesos del Frío (2014)

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Los Huesos del Frío de Enrique Leal é uma curta-metragem espanhola de ficção presente na secção competitiva Nacional da sexta edição do Piélagos en Corto - Festival Internacional de Cortometrajes de Ficción que decorreu na Cantábria, em Espanha entre os passados dias 2 e 9 de Maio e que assume como um dos mais intensos e dramáticos filmes curtos do último ano.
Domi (Marta Larralde) faz uma longa viagem para trazer o seu irmão Ángel (Manuel Gimeno) para casa. Uma viagem durante os tempos de insegurança da Guerra Civil Espanhola por entre a fome e a brutalidade dos eventos que irão para sempre marcá-la.
Para lá de ser um imaginário próximo da realidade portuguesa não só pela vizinhança que estes acontecimentos têm com o nosso país como tendo - muitos deles - encontrado por cá desfechos nem sempre felizes, aquilo pelo qual o argumento e direcção de Enrique Leal mais surpreendem é por esta não ser apenas uma história de ficção mas sim uma história real baseada em acontecimentos da própria família do realizador ou, mais concretamente, quando sabemos que "Domi" mais não é do que a sua avó e "Ángel" o seu tio-avô.
De imediato o espectador é integrado nesta viagem por uma Espanha rural brutalmente marcada pela guerra civil não só pelo clima de medo que é imediatamente captado pelas câmaras - um contexto social e político - como também pelas extremamente pessoais e emotivas cartas trocadas pelos dois irmãos e que escutamos em voz-off. É nesta viagem de camioneta onde perfeitos desconhecidos acabam por trocar experiências silenciosas e momentos com o seu olhar ferido onde percebemos que cada história é uma fuga, uma dor e uma sobrevivência repletas de perdas pessoais independentemente dos seus contornos.
No meio destes silêncios que a tragédia se abate sobre estes viajantes que os força a sobreviverem - uma vez mais - mas agora em conjunto. Um silêncio que esconde a real dimensão da experiência pessoal de "Domi" e que revela que a sua viagem não é de ida mas de um regresso amargurado onde as esperanças já não são ínfimas mas sim a confirmação da sua impossibilidade estando de um lado a repulsa pelo momento e do outro a emotividade do sentimento de perda e da dor como sua consequência directa.
Enquanto esta viagem decorre e o espectador aguarda com ansiedade o reencontro entre os dois irmãos, escuta e percebe também a forma como as mensagens implícitas nas cartas que ambos trocaram são cada vez mais não de uma espera pelo dia de amanhã mas sim de uma conformação com um fim inevitável. São a confirmação de que se recordam os bons tempos e a cumplicidade entre os dois mas, ao mesmo tempo, a percepção de que esses instantes não se voltarão a repetir tornando esta viagem - cuja conclusão é ainda desconhecida para o espectador - um momento cada vez mais angustiantes e de claustro pela saturação e desconforto que são transmitidos daquele espaço mínimo que vários partilham. E é quando a desgraça de instala não só no interior daquela camioneta como também no seu exterior com a aproximação dos rebeldes que o espectador percebe finalmente quando a trágica conclusão da viagem de "Domi".
Sem revelar este final - porque é obrigatório o visionamento desta curta-metragem - adianto apenas que termina também ela com um relato triste sobre o fim de Domi já em idade avançada às "garras" de outra tragédia como é o Alzheimer... mas ao mesmo tempo com um sinal de que a memória perdura para lá dos elementos que a confinam e que o último pensamento desta mulher movida pela coragem foi o nome do irmão que reencontrou de uma forma que nenhum de nós esperava enquanto escutava às cartas que ambos trocavam.
Com uma marcante e inspirada interpretação de Marta Larralde que encarna inicialmente o rosto de uma esperança por voltar a ter junto a si um dos seus para finalmente revelar uma expressão que vagueia num desespero de perda, Los Huesos del Frío exala excelência nas suas componentes técnicas desde a direcção de fotografia, ao guarda-roupa e banda-sonora que a colocam como uma das mais marcantes curtas-metragens do ano e uma assumida forte concorrente à nomeação ao Goya na sua respectiva categoria.
Intensa pela reconstituição histórica que Enrique Leal fez, Los Huesos del Frío transforma-se ainda num importante documento sobre um dos mais trágicos acontecimentos da Ibéria e, ao mesmo tempo, um marco na efectividade da Memória Histórica graças à disponibilidade de entregar ao grande público um testemunho íntimo e pessoal da sua própria família. Numa única palavra... excelência!
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