segunda-feira, 18 de setembro de 2017

As You Are (2016)

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As You Are de Miles Joris-Peyrafitte é uma longa-metragem norte-americana e uma das que se encontra na Competição Oficial da vigésima-primeira edição do QueerLisboa - Festival Internacional de Cinema Queer que decorre até ao próximo dia 21 no Cinema São Jorge, em Lisboa.
Jack (Owen Campbell) é um adolescente solitário. Metido nos seus assuntos e distante de qualquer comportamento social, a sua vida é subitamente alterada quando Karen (Mary Stuart Masterson), a sua mãe, inicia uma relação com Tom (Scott Cohen), que eventualmente se muda para a sua casa juntamente com Mark (Charlie Heaton), o seu filho. Mark é um jovem cujo comportamento é a total antítese de Jack e aquilo que parecia estar condenado cedo se desenvolve enquanto uma sólida e cúmplice amizade.
No entanto, quando Sarah (Amandla Stenberg) se junta ao par, as emoções e os sentimentos alteram-se gerando um ciúme com o qual não será fácil lidar. Estará esta relação entre Jack e Mark para lá de uma cumplicidade fraterna? Poderá ela existir além da relação fraterna que de ambos se espera?
As You Are cujo argumento é da autoria de Joris-Peyrafitte em colaboração com Madison Harrison tem como base directa a curta-metragem do realizador As a Friend (2014) e explora a relação de dois jovens - "Jack" e "Mark" - através daquilo que inicialmente compreendemos como um interrogatório policial fruto de um qualquer evento que sucedeu na vida de ambos. É através dos vários testemunhos que o espectador não só observa a relação tida entre todos os intervenientes como também ganha conhecimento sobre a relação que os dois jovens desenvolvem. Inicialmente tidos como dois opostos que poderiam eventualmente complementar as lacunas que cada um tinha, o comportamento de ambos desenvolve-se muito rapidamente para uma relação cúmplice, de alguma posse não assumida e até mesmo de um carinho que ultrapassa os limites fraternos que seriam de esperar.
Se esta cumplicidade é um factor predominante em toda a longa-metragem, a ela vem associada o desenvolvimento - ou despertar - sentimental e sexual que sentem. Inadaptados para um qualquer mundo exterior que o espectador nunca chega a conhecer, aquilo que nos é revelada é que a empatia sentimental entre ambos é notória e crescente. "Jack" e "Mark" não se comportam como dois meros amigos mas sim como dois silenciados apaixonados que sentem na proximidade do outro a segurança afectiva que, até então, nunca havia sido garantida.
Os desenvolvimentos que o espectador acompanha, e que cada vez mais revelam o acontecimento de algo trágico - e que facilmente se compreende sobre quem -, fazem denotar as frágeis e inexperientes emoções de tantos jovens incapazes de compreender os seus sentimentos, o despertar de uma vida sentimental, afectiva e até mesmo sexual e a sua inadaptação a uma rejeição. No entanto, esta rejeição não chega sob a forma de falta desse sentimento mas sim pelo medo sentido da incompreensão dos ditos adultos que, ao mesmo tempo, gera uma revolta e violência nestes para com os mais novos e nos jovens para consigo próprios na medida em que repudiam os seus sentimentos e os afectos que lhes podem conferir uma vida sentimental saudável e em plenos crescimento.
Mas esta tensão não é exclusiva dos jovens. Pelo contrário, "Karen", a personagem interpretada por uma saudosa Mary Stuart Masterson é o exemplo de uma jovem mãe solteira, repleta de vida e amor para dar - e receber na igual proporção - que espera pela oportunidade de uma relação duradoura, capaz de a completar (e ao seu filho) na ausência de um marido, pai e companheiro que não só imponha as regras sociais como também a elas se adapte. Mas, no entanto, quando se abre a porta ao primeiro homem que lhe aparece, permanece a dúvida sobre até que ponto aquilo que se conhece é a fase de encantamento e sedução... que nem sempre permanecem... e o que sobra não será apenas um vislumbre de algo que eventualmente se teve mas que já não se deseja. Assim, se a relação sentimental, afectiva e cúmplice entre os dois jovens parece frágil pela possibilidade de se concretizar, não deixa de ser uma realidade que aquela tida pelos adultos não é mais estável e segura... bem pelo contrário!
A tensão sentida pelos jovens - que apenas se vem agudizar com a presença de "Sarah" que acaba por se transformar no elo de normalidade que, a certa altura ambos sentem mas que se torna mais vincada para "Mark" - transforma-se numa revolta interior quando "Jack" se sente traído nos seus sentimentos, nos seus actos e até no afecto que até então não havia sentido por ninguém. Da química à revolta, da cumplicidade ao ciúme, "Jack" e "Mark" vivem os momentos que poderão ser transformadores nas suas vidas.
No final, como resultado directo daquilo que havíamos escutado no início, assistimos a uma fuga... a um pedido de ajuda. Ficamos com a confirmação de que independentemente de um assassinato ou de um suicídio, a vida daqueles dois jovens ficou irremediavelmente perdida. Perdida graças à morte, ao sofrimento e principalmente graças à incapacidade de aceitação por parte de uma sociedade que prefere aceitar padrões de uma normalidade auto-imposta do que compreender e respeitar o mais profundo dos sentimentos de amor e de amizade. Tudo o que é dito "desviante" acaba por ser tornar inaceitável e, como tal, a ser repudiado. Os traumas daqui resultantes e nunca aceites como tal são transformadores. Podem até ser fatais como aqui confirmamos. Mas em nome de uma masculinidade e da manutenção de padrões de sexualidade, perpetuam-se as injustiças e marginalizam-se os sentimentos e os afectos... ainda que puros, sentidos e honestos.
Com brilhantes interpretações de Owen Campbell como "Jack", o jovem anti-social que consegue pela primeira vez estabelecer uma cúmplice amizade e aquele que, no fundo, mais se desenvolve no campo da afectividade, e Charlie Heaton como "Mark", o adolescente ultra-confiante que receia um amor sentido e puro, As You Are revela ainda uma reaproximação de Mary Stuart Masterson ao grande ecrã - tão desaparecida tem estado - com uma interpretação confiante e, também ela, desesperadamente à procura de um amor que tarda em chegar, e é abrilhantado com uma exímia direcção de fotografia de Caleb Heymann que capta a energia da proximidade de um Verão escaldante e uma atmosfera muito anos '90 onde ainda conseguia reinar uma certa inocência e puerilidade teen que dão um intenso charme à câmara de Joris-Peyrafitte revelando-o como um dos novos e emergentes realizadores para quem o espectador terá - e irá - ficar atento confirmando assim que a competição de longas-metragens do QueerLisboa este ano está forte e bem renhida.
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8 / 10
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