quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Kaleidoscope (2016)

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Kaleidoscope de Ruper Jones é uma longa-metragem britânica em competição para o prémio de Melhor Longa-Metragem de Terror Europeia na décima-primeira edição do MOTELx - Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa que decorre no Cinema São Jorge, em Lisboa.
Carl (Toby Jones) é um inadaptado. Tendo como única e esporádica companhia a vizinha do lado, Carl tenta conhecer a mulher dos seus sonhos e que dê algum sentido a uma vida aparentemente insignificante. Quando Carl conhece Abby (Sinead Matthews), longe estaria de perceber que a sua vida iria alterar-se radicalmente e despertar os seus demónios interiores personificados na figura de Aileen (Anne Reid) a sua possessiva e disfuncional mãe.
O ambiente recriado com o argumento de Rupert Jones é, desde os instantes iniciais, prenúncio de uma espiral descendente na mente do protagonista. De início o espectador compreende-o como um homem solitário e triste a quem a vida não deve ter sorrido nem deixado grande esperança sobre um amanhã que se faz anunciar mas que nunca se cumpre com a positividade que dela ele espera. No entanto, é à medida que a trama avança que se compreende que este homem é, para lá de um inadaptado, alguém com um passado que o distanciou de uma normal convivência com o seu semelhante, remetendo-o para um espaço de auto-isolamento que é mais ou menos compreendido pelo mesmo como aquele em que tudo irá estar - pelo menos - coerente.
A breve convivência de "Carl" com "Abby" é subitamente ensombrada com a presença de "Aileen" - a mãe dele - que chega como uma pesada consciência que não o quer libertar de um passado que lentamente é compreendido pelo espectador como portador de um terrível e temido segredo que poderá - e será - a causa de toda a apatia social que o condena. Se até então "Carl" era o tal simpático inadaptado, agora o espectador irá passar a observá-lo enquanto um homem capaz de tudo para se libertar desse passado, capaz de tudo cometer para a ele sobreviver mas sobretudo incapaz de se libertar da imagem materna que o deixou num estado de adulto-infantil que cede a caprichos e a vontades biológicas inerentes ao desenvolvimento do seu próprio organismo.
Com uma clara mensagem subliminar de homenagem a filmes como Psycho (1960, Kaleidoscope esconde por detrás deste turbilhão de emoções, o seu verdadeiro lado negro. Percebemos que "Carl" se afastou de qualquer ligação familiar por um evento que marcou a mesma. Percebemos que a tensão e a pressão desses acontecimentos o marcaram de forma irreparável e sobretudo que pequenos momentos o transportam a esse mesmo lugar que, passados anos, não deixaram de existir enquanto traumatizantes. O caleidoscópio que guarda religiosamente e que lhe permite ver toda uma nova tonalidade de cores e todo um diferente universo - mais tarde no filme perceberemos o porquê - é o motor de toda essa espiral descendente e só quando iniciado perceberá o espectador tudo o que se esconde por detrás da inaptidão de "Carl". A sua incapacidade de amar - ou deixar-se ser amado - fruto de um claro abuso materno psicológico, físico e mesmo sexual e de uma constante dominância que a figura materna ainda exerce sobre ele - e que deixam o espectador numa incerteza se ela de facto se encontra ali ou se a possibilidade de um amor a fazer despoletar - levam a que o protagonista se isole dentro do seu próprio mundo e dentro de um conjunto de pensamentos que o levam à sua própria destruição.
Neste ambiente constantemente dúbio e de incertezas onde todos parecem conspirar contra a sanidade de "Carl", mas que mais não são do que o resultado de uma sociedade que se aproveita do elo mais fraco e do próprio trauma resultante da sua anterior condição de vítima, Kaleidoscope leva o espectador a uma enigmática mas perturbante viagem à mente de um homem com um passado que o marcou - marca?! - enquanto uma vítima, e às inúmeras defesas que essa mente cria enquanto mecanismo de sobrevivência social, pessoal e emocional deixando-o num constante limbo entre o real e o irreal e ao espectador com a certeza de que esta mente perturbada e incerta está sujeita a que todas as pressões externas o façam, a qualquer momento, ceder não prevendo as potenciais consequências.
Rupert Jones - realizador, argumentista e irmão do protagonista - consegue retirar de Toby Jones uma das suas mais controladamente intensas interpretações dos últimos anos, transformando-o num potencial eremita cujo seu ponto de ruptura pode a qualquer momento rebentar, e confere ao seu Kaleidoscope o estilo de um bem executado thriller moderno capaz de manter o suspense e o espectador em suspenso sobre o desfecho de um conjunto de personagens que habitam uma aparente realidade paralela e uma constante questão... estará todo o demais mundo a suspeitar da "minha" existência... ou estarei "eu" afastado da realidade enquanto tal?!
Até ao momento uma das mais fortes apostas do MOTELx e um sério candidato ao troféu de Melhor Longa-Metragem de Terror do ano nesta décima-primeira edição do festival. Recomendo não só pela interpretação de Jones como principalmente por toda uma atmosfera claustrofóbica e de vontade de evasão que se consegue recriar dentro de um pequeno - senão minúsculo - apartamento onde tudo parece estar a acontecer.
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7 / 10
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