Diários da Bósnia de Joaquim Sapinho é um documentário português em formato de longa-metragem do mesmo realizador de Corte de Cabelo (1995) e A Mulher Polícia (2003) aqui numa viagem ao pós-conflito dos Balcãs revelando todo um país agora em paz.
Numa viagem à Sarajevo do pós-guerra, Joaquim Sapinho cria este documentário que, segundo narração do próprio, se inicia no mesmo local onde terminara a sua primeira viagem à capital da Bósnia-Herzegovina: o cemitério. Da cidade que em tempos conhecera com um estilo de vida ao local onde agora repousavam muitos dos que nela habitavam e que se transforma num estranho e quase improvável ponto de encontro de uma cidade em ruínas, Diários da Bósnia é para lá de uma viagem ao destroços da guerra, uma tentativa de ilustrar a vida de uma cidade recuperada da mesma.
Se inicialmente o espectador se prende com a ideia que está normalmente associada a este estilo de documentário em que se analisam todos os pequenos grandes cenários de guerra deixando-se mergulhar naquilo que era a vida pré-conflito e agora observa os seus despojos, Diários da Bósnia desmistifica essa noção apresentando outro tipo de filme onde se reflectem sobre os espaços não através daquilo que deles sobra mas sim pelo olhar do próprio realizador e nas breves considerações que faz sobre o mesmo.
Longe de julgamentos e pré-noções sobre vencedores e vencidos, Diários da Bósnia ilustra o retrato de um país devastado, ferido e mergulhado numa estranha dimensão em que tudo se divide entre um "nós" e um "eles"... aqueles que anteriormente eram vizinhos, amigos e até "irmãos" imaginados de um país unificado mas que agora são os tais despojos de um conflito que tudo e todos opôs... de amigos a vizinhos, entre cidades, entre etnias, religiões e agora nacionalidades é através dos olhos de Sapinho que agora tudo é observado. De uma Sarajevo capital e receptora de uns Jogos Olímpicos de Inverno na Jugoslávia de Tito a uma viagem pelos destroços de uma memória quase perdida, Diários da Bósnia percorre ainda algumas das cidades que deram lugar às mais sangrentas batalhas deste conflito balcânico na ida década de 90, elucidando o espectador para alguns detalhes de relevância histórica e uma abordagem ao que é agora aquele país dividido por zonas e por etnias e profundamente martirizado por um conflito que levou os seus filhos de ambos os lados das imaginadas e agora sentidas "barricadas".
Tendo sempre com base o pós-conflito, Diários da Bósnia percorre os espaços que mais marcaram a vida recente do país nomeadamente a aldeia olímpica agora completamente destruída, algumas das cidades enclave como Srebrenica ou Mostar e uma cidade que o realizador nos dá a conhecer como uma miragem daquilo que fora. De uma população sérvia agora alojada nos seus arredores como que refugiados dentro daquele que fora outrora o seu país - ou pelo menos como agora o sentem - às Igrejas Ortodoxas agora desertificadas e apenas frequentadas por uma ínfima parte dos seus fiéis que resistiram à vida na cidade onde agora são uma sua pequena parcela. Sarajevo, como Sapinho faz saber, era uma cidade única na Europa onde se escutavam os cânticos islâmicos ao mesmo tempo que ecoavam os sinos da igrejas agora uma réstia da memória quase perdida. De uma convivência pacífica entre vizinhança a um distanciamento que a guerra proporcionou e que dificilmente poderá alguma vez ser reparado.
Enquanto espectador aquilo que Diários da Bósnia tornou como mais presente foi o registo de um silêncio ruidoso. A câmara de Sapinho percorre vários momentos, situações, locais e espaços de um país agora saído da guerra mas no qual o peso da memória parece (então) suportar lembranças difíceis de processar. O silêncio faz-se portanto notar em todas as actividades e em todos esses locais massacrados pelo conflito. Desde as estradas que levam uma criança à escola às próprias igrejas que estão desertas por uma população desaparecida sem esquecer os locais e bairros que suportam ainda bem presentes as marcas desse conflito. Locais esses onde subsistem não só as marcas visíveis de um conflito como também as fotografias daqueles que ocuparam o local. Memórias perdidas de um passado e de algumas pessoas que eventualmente já ninguém poderá testemunhar enquanto uma parte integrante da sua História e das suas histórias. O silêncio que parece tomar conta de todos os momentos e de todos aqueles que ainda resistem no país e que tentam, de uma ou outra forma, continuar (sem saber como) uma vida que fora interrompida. Por todo o lado subsiste esse silêncio que, só por si, suporta todas as memórias e todas as perdas.
Intenso pelas suas imagens, marcante pela forma como regista o silêncio da História, Diários da Bósnia é um dos mais intensos registos cinematográficos de Joaquim Sapinho e um exemplo vivo da vitalidade do cinema documental português e da sua importância para o registo da memória histórica recente da Europa.
.
8 / 10
.
Sem comentários:
Enviar um comentário