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L'Exercice de l'État de Pierre Schöller foi mais um dos filmes presentes na Festa do Cinema Francês de Lisboa este ano e que, à semelhança do que já se havia passado por exemplo com De Bon Matin ou Présumé Coupable, deixa-nos com um certo amargo de boca pelo seu trágico, mas verídico, retrato da sociedade tal como a conhecemos e também por abordar os bastidores dos meandros políticos que tanto nos fascinam não por aquilo que sabemos deles mas mais concretamente por aquilo que nunca chegamos a conhecer.
Bertrand Saint-Jean (Olivier Gourmet), Ministro dos Transportes, é acordado durante a noite pelo seu chefe de gabinete que lhe dá conta da ocorrência de um violento acidente para cuja localização ele se deve deslocar.
É a partir deste trágico acontecimento que acompanhamos o dia-a-dia de um ministro que se encontra numa constante luta de poderes onde todos, ou quase, devem ceder repetidas vezes para o "bom" funcionamento do Estado. Nos bastidores e nos meandros mais ou menos obscuros da política e dos cortes orçamentais a que todos estão sujeitos, uma pergunta acaba por ficar pendente no final... quem serve quem?!
Este filme de Pierre Schöller, que também assina o seu argumento, e que foi nomeado pela Academia Francesa de Cinema para onze César este ano tendo vencido nas categorias de Argumento Original, Som e Actor Secundário para Michel Blanc, tem tanto de cómico como de trágico e dramático.
Se por um lado assistimos a um conjunto de momentos de "bastidores" da política que apenas confirmam todas as nossas suspeitas sobre o que realmente acontece "às portas fechadas", mas interpretados com uma ligeireza e despreocupação tal que nos retratam o quão fácil é sair por cima prejudicando voluntariamente os demais, em momentos que quase parecem surreais e impossíveis de acontecer, não deixa também de ser verdade que existem situações neste filme que nos alertam para a realidade do desemprego, das dificuldades e carências económicas e da tal crise e austeridade que imperam e começam a assolar todo este nosso velho continente nos tempos que vivemos.
Se é verdade que a situação do cidadão comum não passa anónima neste filme, mostrando os problemas pelos quais atravessa de uma forma crua, aqui o ponto essencial, e que é tantas vezes esquecido nos filmes do género, é o lado do político. Não está banalizado com preciosismos políticos que acabariam por apenas fazer sentido a meia dúzia, mas centra-se no entanto no político enquanto homem que tenta, ele próprio, sobreviver no meio dos seus pares. Este filme vai aliás, um pouco mais longe. Podemos mesmo encontrar quatro distintas fases pelas quais o "homem político" atravessa. Uma primeira, e com a qual se inicia o próprio filme com o tão enigmático segmento-sonho de "Bertrand" da mulher nua prestes a ser devorada pelo crocodilo, não passa de um reflexo do seu sonho pelo poder... a sua ambição em ser alguém dentro de um elenco governativo. A segunda fase está directamente ligada à primeira pois surge como a excitação que este sonho lhe dá, explícito aliás no momento antes do próprio acordar e o qual não vou revelar pois é, digamos, óbvio. Uma terceira fase prende-se com aquilo que é já óbvio... a concretização das suas ambições onde passo a passo, de negociação em negociação vai obtendo todos os seus desejos e objectivos... aliás, prende-se com esta situação um dos momentos mais caricatos do filme quando "Bertrand" é informado do seu novo cargo ministerial... na sanita, após um brutal, cru, explícito e muito emocionante acidente que a sua comitiva sofre e que lhe deu o protagonismo que sempre ambicionara.
Finalmente uma terceira e última fase onde depois do sonho, da excitação e da consequente concretização de todos os seus planos (voluntaria ou involuntariamente), se confirma que no final todos são devorados pelo próprio sistema em que se inseriram... são devorados literalmente pelo poder, ao não conseguirem manter intactos, e principalmente integros, todos os seus planos iniciais de vida onde ainda mantinham algum tipo de valores ou de ideais. No final, para o alcançar, todos tiveram de ceder e principalmente nos elementos que de certa forma os caracterizavam enquanto indivíduos.
Tanto Olivier Gourmet como Michel Blanc são perfeitos nas suas interpretações enquanto Ministro e chefe de gabinete. Aquele que dá o rosto e aquele que esquematiza todas as situações chave onde o primeiro se deve "situar". Gourmet foi nomeado ao César enquanto Actor e Blanc venceu na categoria de Secundário. Perfeitos e no fundo são ambos as almas do filme... cada um à sua maneira e respeitando aquilo que de certa forma esperamos deles. O primeiro que se deixa levar pelos meandros da política e o segundo que o ajudou a lá chegar tentando sempre manter uma postura não direi neutra mas de não directamente envolvido na real política, quase como se de um observador se tratasse.
Como curiosidade, achei uma certa graça ao Ministro das Finanças, interpretado por François Vincentelli, que dá pelo nome de Peralta, e que discretamente se assume como a mente do "crime" por detrás de toda a crise e austeridade, como no fundo é a própria realidade.
Finalmente, e apenas a título de curiosidade para todos os interessados neste género de filme, reparo nas semelhanças existentes entre este e o filme Il Divo de Paolo Sorrentino que com igual sentido mordaz (bom... um pouco mais apurado) nos dá um olhar bem corrosivo sobre a política e os seus intervenientes a um ritmo de devaneios quase alucinatórios. Aos que tiverem coragem de ver os dois filmes e que repararem com atenção às festas e celebrações "internas" que são feitas pelos respectivos "palacetes do poder", irão sentir que as semelhanças estão todas, sem excepção, por lá.
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8 / 10
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