domingo, 14 de outubro de 2012

Poulet aux Prunes (2011)

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Galinha com Ameixas de Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud e anteriormente nomeado ao Leão de Ouro em Veneza, foi o mais recente filme que vi na Festa do Cinema Francês no Cinema São Jorge em Lisboa e, até ao momento, um dos mais emotivos e emocionantes.
Nasser-Ali Khan (Mathieu Amalric) é um mediano violinista a quem o seu mestre alerta da necessidade que tem em encontrar a sua "alma". E essa alma irá surgir quando conhece Irâne (Golshifteh Farahani), a filha de um abastado relojoeiro por quem Nasser se apaixona, e à custa de quem a sua música começa a fluir harmoniosamente para preencher os corações de quem o escuta. Mas nem tudo seria perfeito e o amor entre ambos seria repudiado pelo pai de Irâne que a prometera em casamento a um oficial do exército, provocando assim uma separação entre estas duas almas bem como ao consequente casamento de Nasser com Faringuisse (Maria de Medeiros), com quem constitui uma família sem amor ou dedicação, tendo apenas um propósito na vida... a música que, através do violino oferecido pelo seu mentor, serviria como forma de expressar a sua paixão.
No entanto, enquanto a sua vida como músico florescia ao mesmo ritmo que a sua paixão por Irâne não esmorecia, a sua vida familiar e casamento com Faringuisse degradavam-se de dia para dia ao ponto desta última destruir o seu tão precioso violino. Este acto levaria Nasser a tentar diversas formas de suicídio (sem sucesso) e consequentemente ao seu isolamento no quarto enquanto espera a morte. É neste período de espera que em flashbacks ou momentos de delirio acompanhamos a sua viagem pelo mundo... De jovem a mais velho... de solteiro a casado mas sempre com um único amor na mente... Irâne.
Vários são os momentos ao longo deste filme que me conseguem fascinar. Se começar logo por falar na intepretação de Amalric a única palavra que tenho para a caracterizar é "extraordinária". O seu "Nasser" é o rosto perfeito de um homem desiludido e desencantado com a vida mas que, no entanto, consegue exprimir todas as emoções através da sua música. Se por um lado vive uma vida familiar cinzenta e seca onde não consegue demonstrar pela sua mulher a dedicação que esta lhe entregou toda a sua vida juntos ou mesmo encontrar nos seus filhos o fruto do seu amor (que na prática nunca o foram), tudo se deve ao simples facto de nada na sua vida ter resultado como ele esperava. Viveu uma grande paixão, e correspondida, mas que não se pode consumar e manter ao longo dos anos fazendo com que a sua "chama" nunca se completasse. Viveu assim uma vida opaca, sem sabor e sem qualquer grande emoção ou prazer, e mesmo estes só os expressava através da sua música pois era ali que, do início ao fim, fazia ecoar todos os seus sentimentos e emotividade apenas com uma pessoa no pensamento.
Pode, à partida, parecer uma interpretação apagada e não reflectir a verdadeira dor da perda e de um amor não consumado mas é exactamente por parecer muito "doce" que esta consegue espelhar a desilusão, o desespero silencioso e onde até a própria morte consegue tornar mais interessante, graças aos devaneios finais entre Nasser e Azrael.
A viagem de Nasser é acima de tudo um conto sobre o desespero e a desilusão. Sobre uma vida desfeita que se limita a passar pelo mundo e pelo tempo, sem objectivos, planos, ideias ou momentos positivos. A vida parou exactamente no dia em que perdeu a sua amada e com ela todo o sentido que poderia dar à sua própria existência, apenas apaguizada pelo que sentia poder transmitir através do seu violino e da sua inspirada música, que tanto tinha de arrojada como de sentimental e emotiva.
Música esta que não só dá uma cor especial ao filme como já referi, mas que também ela é assumidamente uma das "personagens" deste filme e que pelas mãos de Olivier Bernet, o seu autor, consegue quase contar a história de cada uma destas personagens amarguradas pelos seus próprios destinos sem que para isso fossem necessárias grandes palavras para o fazer. Ao assistir a este filme lembrei de imediato de um outro título brilhante, O Violino Vermelho de François Girard pela semelhança não só de diversos aspectos da sua história como por fazer da música (e de um violino) o elemento condutor dos destinos de todas as suas personagens.
E nos demais aspectos técnicos este filme é igualmente um sucesso... no seu guarda-roupa, nas animações utilizadas que servem também para contar pequenos segmentos mais secundários (mas não menos importantes) da história de Nasser, a contextualização numa sociedade muito específica como a persa, bem como a caracterização dos actores que facilmente os transforma de pessoas jovens e cheias de esperança a alguém apagado pelas marcas do tempo que passou.
Finalmente destaco ainda um dos segmentos finais do filme em que o encontro entre Nasser e Azrael se confirma e que de nostálgico ou triste nada tem. Bem pelo contrário, aqui o que temos é um dos mais animados, psicadélicos e bem dispostos segmentos de todo o filme e que ele próprio poderia dar um filme separado deste.
Os dois realizadores, que também assinam o argumento, estão de parabéns. Conseguiram escrever e dirigir uma história que a todos consegue emocionar, divertir através dos inúmeros segmentos "diários" em que a história é contada ao longo de oito dias até Nasser conseguir finalmente encontrar a morte que tanto desejou. Uma história sobre amores desencontrados e não correspondidos, sobre a morte e a desilusão mas que, no entanto, não é contada de uma forma a que possamos ter pena do desfecho de cada um dos seus intervenientes mas sim perceber que as suas vidas estavam marcadas por um destino que talvez não pudessem alterar, e que como tal os marcou definitivamente.
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10 / 10
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