Do Not Resist de Craig Atkinson é um documentário norte-americano que tem como base os incidentes ocorridos em Ferguson, no Missouri nos Estados Unidos após a morte de Mike Brown, um cidadão afro-americano em Agosto de 2014, às mãos de um corpo policial cada vez mais militarizado.
Partindo desta premissa, este documentário avalia a rápida militarização e vigilância de uma sociedade cada vez mais dividida e atormentada pelas sucessivas injustiças sócio-culturais que afastem, dividem e minam a confiança num sistema que parece previlegiar uns e destruir aqueles que já são mais desfavorecidos na mesma.
Com um elevado sentido descritivo sobre uma sociedade que se militariza tanto a nível civil como policial Do Not Resist deixa ainda um interessante e igualmente preocupante alerta sobre a forma como se desenvolvem estudos raciais aplicados ao aumento da taxa de criminalidade e à violação da lei e da ordem que o país parece sentir.
A partir do acontecimento já referido, este documentário começa por alertar para comportamentos de manutenção da ordem social apenas registados em cenários de guerra - como o recolher obrigatório por exemplo -, para depois questionar de forma pertinente os métodos utilizados pela polícia para prevenir e travar o crime. É aqui que começam as grandes dúvidas para o espectador que se questiona em primeiro lugar sobre a forma como os departamentos locais de polícia de cidades rurbanas necessitam de equipamento desmilitarizado - outrora de cenários de guerra e agora "despojos" de conflitos em que os Estados Unidos participaram - para a manutenção de ordem sobre pequenos conflitos ou manifestações que nelas ocorram? No seu seguimento, o espectador equaciona a verdadeira necessidade destes equipamentos quando, na realidade, sabe que o país atravessa graves dificuldades a nível de educação, saúde e até de miséria económica mas, por outro lado, existem fundos suficientes para adquirir este equipamento especialmente se considerarmos que os locais intervencionados não necessitam do mesmo...
Como uma consequência directa deste último aspecto, e também referenciado no próprio documentário, existe uma questão levantada sobre a militarização da sociedade num país que proíbe constitucionalmente a existência de um exército que actue nas ruas do país... como resposta pouco esclarecedora... a polícia não é comparada a um exército mas sim a uma força de manutenção da ordem. Tendo em seu poder equipamento que fora utilizado em cenário de guerra e que aqui é simplesmente "reconvertido" em equipamento "local"... as dúvidas sobre essa militarização de uma força de segurança - bem como os treinos e acções de formação que recebem - é altamente questionada deixando, inclusive, uma imagem curiosa quando nas ruas de pequenas cidades afastadas do rebuliço cosmopolita de outras como Nova York, podemos ver a circular pelas estradas interiores jipes que mais se assemelham a tanques de guerra... até que ponto - pensamos - não estamos perante um excessivo controlo policial interno que, em certa medida, para lá de prevenir e controlar desacatos poderá impedir - pelo receio - o direito à manifestação.
Um outro aspecto curioso em Do Not Resist é a forma como retrata o policiamento invisível das suas cidades, ou seja, através da adjudicação dos serviços e controlo e segurança a empresas privadas que com mais meios e recursos podem controlar todos os indivíduos que considerem "suspeitos". Considerando que a polícia aqui é um mero alvo de "informação disponibilizada", o espectador questiona-se sobre de que forma poderão estas entidades privadas utilizar os meios que têm disponíveis - visto terem permissão para tal - para controlar opositores, detratores das suas actividades ou até mesmo indivíduos que com eles tenham registado algum problema, subvertendo uma "investigação" numa caça ao homem... sendo o "homem" um mero inocente vítima de uma punição pessoal...
Finalmente, e eventualmente o aspecto que mais controvérsia (me) gerou foi a reacção a um evidente tensão inter e intra-racial. A primeira pela forma como se expõe em Do Not Resist a "dedução lógica" de que o "outro" - apenas pela diferença de um tom de pele - é um potencial criminoso que deve - ou pode - ser investigado e, por sua vez, a forma como polícias também eles (neste caso em particular) afro-americanos lidam com os cidadãos que são apontados... apenas pela cor da sua pele. Em que lugar se posicionam estes indivíduos que têm, por um lado, de manter a paz e a ordem e por outro se vêem forçados a investigar aqueles que sempre conheceram não pela suspeita de um crime... mas pela suspeita de que por serem de uma dada etnia podem tê-lo cometido...
Como directa consequência deste último factor, Do Not Resist lança aquele que é - na minha opinião - o aspecto mais preocupante de toda esta temática na medida em que pleno século XXI são ainda questionadas as origens, etnias e as chamadas "raças" como factores determinantes de uma "previsibilidade" de perpetração de crime. Por outras palavras, para alguns estudiosos é mais possível alguém de uma etnia que não a chamada caucasiana cometer um crime do que estes... devido a origens potencialmente mais humildes, sujeitos ao abuso e consumo de drogas duras ou mesmo meios economicamente menos previlegiados. Por momentos recordei o filme Minority Report (2002), de Steven Spielberg no qual era "possível" a previsão de um crime antes do mesmo ser cometido... ou seja, como será possível culpabilizar alguém por algo que virá a cometer (nunca o saberemos) baseado estudos sobre aspectos que facilmente poderão ser considerados como xenófobos ou rácicos e que, na prática, ainda não se confirmaram?! Esta dúvida que persistirá obriga o espectador a pensar sobre até que ponto são fidedignas estas informações e principalmente aqueles que "habilmente" as poderão manobrar...
Inteligente, mordaz e sobretudo um alerta, o realizador Craig Atkinson dirige um assustador Do Not Resist e aquelas que poderão ser as nefastas consequências de uma militarização "preventiva" de uma sociedade que tem demasiados conflitos sociais e culturais, que parece perder-se - a sociedade - numa revanche de preconceitos ainda não extintos e instalar uma comunidade que vive no medo, na perseguição e na suspeita de um futuro ainda não cumprido.
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"Terrorism wins because it makes people irrational."
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8 / 10
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