Precious de Lee Daniels foi um dos filmes sensação da temporada 2009-2010 primeiro porque foi um dos grandes vencedores antecipados em Sundance, em seguida pela sua promoção quase sistemática por parte de Oprah Winfrey (uma das produtoras do filme), e finalmente porque tem uma história cativante e muito emocionante que conquistou os públicos por todo o lado onde estreava.
A história que é bruta, crua e mostra o mais baixo nível da existência humana, centra-se na história da vida de Precious, que dá o nome ao próprio filme, uma rapariga vítima dos abusos sexuais do seu pai que a engravidou por duas vezes, e físicos por parte da mãe que vê nela a razão de todo o seu desgosto.
Ao longo deste filme temos toda uma espiral de decadência e degradação do ser humano. Não aquela a que "ele" se expõe, mas aquele de que é vítima em inúmeras circunstâncias e sob diversas formas.
Aqui Precious, a personagem que é brilhantemente interpretada por Gabourey Sidibe numa interpretação que lhe valeu inúmeras nomeações para os mais diversos prémios de cinema incluindo a nomeação ao Oscar de Melhor Actriz, mostra-nos de uma forma magistral o que é ser vítima de todo o tipo de abusos que vão desde humilhações físicas e sexuais a uma permanente e constante perseguição psicológica dentro daquele que deveria ser o lugar mais seguro para qualquer indivíduo... o lar. É nele que começaram cedo os abusos sexuais por parte do seu pai, que lhe provocou o nascimento de dois filhos e o contágio de doenças, e mais tarde por represália o abuso físico e psicológico da sua mãe. Uma vida sem respeito, sem um toque afectivo e especialmente sem qualquer acto de amor.
Não teve amor de mãe ou de pai. Não teve amor de amigos. Simplesmente não o teve. Passa pela vida ignorada. Em silêncio. A sua presença é uma total passagem silenciosa por tudo e por todos.
Já a sua mãe, interpretada de forma duro, bruta e intensa por Mo'Nique, que venceu a quase totalidade de prémios cinematográficos na categoria de Actriz Secundária incluindo o Oscar, Globo de Ouro e BAFTA, é uma pessoa amargurada pela vida que vê na filha o único e exclusivo motivo de todo o seu sofrimento. Ela encarna todas as frustrações e reflete toda a sua fúria, raiva e angústia na filha. Não por achar necessariamente que a sua filha é a razão pelos seus desgostos, mas por não encontrar em si os motivos que levaram o seu marido a afastar-se. Mary (Mo'Nique) encontra assim na filha uma "desculpa" e uma pessoa em quem materializar todos os seus problemas e frustrações.
A personagem por si interpretada não é necessariamente uma vilã mas sim uma pessoa amargurada e desesperada que se sente inútil e num poço sem fundo. Tudo aquilo que faz é apenas para materializar em alguém, que se encontra por perto, o mal que sente de si própria.
O amor que para Precious tardava a surgir era por si manifestado em desejos de alguém que a admirasse... Em sonhos que mantinha acordada para esquecer e ignorar o meio onde se encontrava. Eram o seu refúgio diário que a fazia continuar e seguir por mais um dia. Esse mesmo amor iria encontrá-lo possivelmente no local onde não o esperava. Numa escola. Uma escola diferente com pessoas que, tal como ela, eram também marginais à ordem natural da sociedade em que viviam e que assim poderiam compreender a sua dor. E uma professora. "A professora" (sentido e marcante papel de Paula Patton) que nos revela que, tal como ela, teve (tem) uma relação conflituosa com a sua própria mãe e que como tal percebe a sua dor.
Além das referidas actrizes que se apoderam do filme com um pulso bem pesado e forte, temos ainda participações especiais por parte de Lenny Kravitz e Mariah Carey (esta apesar de um interessante papel mais parece estar acordado graças a largas doses de medicamentos). Todos eles mantêm um filme coerente e bem conseguido a nível representativo e que, poderei afirmar, foi um dos mais fortes a este nível.
Além destes aspectos, o filme mantém ainda outros que estão francamente positivos nomeadamente o trabalho de fotografia pesado e carregado que dá uma atmosfera muitas vezes negativa e sombria, da autoria de Andrew Dunn que é acompanhado por uma profundamente emocionante banda-sonora composta por Mario Grigorov que em muito contribui para os momentos mais dramáticos do filme.
Não o irei considerar o melhor filme do ano mas, no entanto, acho justa a nomeação que teve para o Oscar como UM dos melhores. Poderoso e muito intenso, com interpretações fortes e marcantes, Precious é sem dúvida um filme que ficará presente pela sua mensagem de esperança.
"Miss Rain: Something you do right?
Precious: Nothing.
Miss Rain: Everybody is good at something.
Precious: Hmm hmm...
Miss Rain: Come on...
Precious: I can cook and... I never really talked in class before.
Miss Rain: How does that make you feel?
Precious: Here. Make me feel here."
8 / 10
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