Uma Questão de Mulheres do realizador francês Claude Chabrol é um soberbo filme cuja acção decorre durante a Segunda Guerra Mundial em França com as interpretações de Isabelle Huppert que venceu a Coppa Volpi em Veneza para Melhor Actriz, François Cluzet e Marie Trintignant nos papéis principais.
Esta é a história de Marie, mãe de dois filhos que, na França Ocupada pelos Nazis, vive uma vida onde predominam as dificuldades e a escassez normal de um país e de um tempo em guerra.
Desinteressada em tudo o que diz respeito ao marido e com um novo amante influente no regime, Marie conhece Lulu uma prostitua à qual começa a alugar quarto para receber os seus clientes ao mesmo tempo que vai recebendo mulheres em casa para as ajudar a abortar. Encontrou aqui uma forma de fazer dinheiro e de evoluir na sua vida e obter aquilo que antes lhe estava vedado.
Com a pressão normal de um regime ditatorial onde a ideia de moral era defendida acima de tudo e todos, as práticas de Marie eram consideradas um atentado não só a essa mesma moral como ao próprio Estado. Estava em causa o facto dela eliminar vidas. Vidas dos futuros franceses. Os mesmos que iriam dar continuidade ao próprio Estado.
Aqui entra então uma das grandes premissas do filme. Qual a moral do próprio Estado, ou de quem o dirige, que a condena por praticar o aborto mas que ao mesmo tempo envia ele próprio crianças judias para os campos de concentração alemães onde elas seriam certamente executadas?! Não estará este Estado a condenar ele o seu próprio futuro?
Sobrevivência. É este aspecto que está em causa tanto para ela como para o Estado. Para ela na medida em que precisava de ter dinheiro para subsistir num mundo caótico onde tudo falta. Para o Estado na medida em que a sua condenação era uma forma de não se olhar para o genocídio gratuito a que estavam a condenar os seus próprios cidadãos por serem de uma religião diferente.
Marie (Isabelle Huppert) mostra um retrato de uma geração que vivia indiferente a tudo e todos. Apenas com uma vontade. A de sobreviver, e fazê-lo nas melhores condições. Não sendo totalmente indiferente aos problemas de outros, mas ao mesmo tempo não se preocupando em demasia com eles mas apenas com o seu próprio bem-estar. Por ele se faz, por ele se sacrifica. Por ele, tudo o resto é indiferente. Aquilo que não se vê, é como não estando lá.
Por sua vez Paul (François Cluzet), o marido desprezado, ignorado e traído representa aqui a imagem do próprio povo francês nestes três aspectos que referi. Desprezado e ignorado, abandonado à sua sorte durante aquele período conturbado da História Mundial, e traído não só pelas próprias autoridades como especialmente pelo própria traição que comete ao denunciar a sua mulher.
Foi isto que se sentiu durante aqueles anos de guerra. A constante traição. O medo de se ser denunciado por algo. O medo de falhar aos olhos dos outros. O medo. A insegurança. A fragilidade face ao que não se poderia controlar. Paul é assim, mais que Marie, a imagem de França.
Não só é um retrato de um país numa época concreta, mas sim um retrato sobre o próprio ser e os seus actos para sobreviver, mas também um relato sobre a moral e como esta pode ser dúbia e ter muitas ramificações. Como para uma mesma situação existem duas sentenças, e especialmente como para se esconderem os próprios actos se tornam os dos outros como um exemplo para toda uma sociedade tendo como fim manter uma ordem.
Não fosse por si só uma história já bastante interessante de se ver, torna-se ainda mais considerando que se trata de um relato verídico sobre a história da última mulher condenada à morte em França. Um filme francamente poderoso.
.
8 / 10
Sem comentários:
Enviar um comentário