Nessuno si Salva da Solo de Sergio Castellitto é uma longa-metragem italiana presente na secção Panorama da Festa do Cinema Italiano que decorre no Cinema São Jorge, em Lisboa até ao próximo dia 7 de Abril.
Gaetano (Riccardo Scamarcio) e Delia (Jasmine Trinca) preparam-se para um encontro. Separados mas com uma história comum, decidem jantar e falar sobre o presente e de como lá chegaram tentando recuperar o que de bom as suas vidas lhes proporcionaram. Poderá haver algum retorno àquilo que em tempos foram?
A mais recente obra de Castellitto enquanto realizador adapta a obra de Margaret Mazzantini - que também escreve o argumento - num filme que pretende não uma redenção das suas personagens mas sim mostrá-las em toda a dimensão das suas falhas, das suas obsessões e, no fundo, de tudo o que faz deles humanos enquanto tal.
É na mesa de um restaurante que "Gaetano" e "Delia" iniciam uma refeição inicialmente cordial e polida mas que lentamente, e com o reavivar das memórias que ambos preferiam esquecer, que todas as boas maneiras e palavras medidas para que nada ofenda e perturbe a tranquilidade que ambos desejam se desvanecem num conjunto de momentos que representam os seus mais profundos arrependimentos e mágoas.
Do primeiro momento em que se encontram e no qual passam o seu tempo juntos conhecendo e percebendo mutuamente os hábitos diários, àquele que os leva ao casamento, à partilha e finalmente à sua condição de progenitores de dois rapazes, "Gaetano" e "Delia" entram num ritual de costumes que lentamente os leva a um desgaste e a uma rotina que os torna primeiramente amargos e finalmente desejosos de uma libertação que apenas chega através da traição. A paixão que rapidamente se transformou em amor e cumplicidade foi aos poucos sendo substituída por um hábito em estarem juntos - a tal rotina - que os deixou conformados com a sua existência mútua num mesmo espaço e que apenas mantinham porque haviam construído uma família que, também ela, começava a dar os primeiros sinais de estar afectada com os seus conflitos silenciosos.
"Gaetano" acaba por ser o primeiro a reagir contra a conformidade encontrando uma mulher que, na prática, pretende dele o mesmo do qual ele tenta agora fugir - uma relação - depositando nesta nova mulher nada mais do que alguns instantes de prazer carnal e com a qual nada mais deseja. "Delia", mais moderada mas ainda assim à beira da sua própria ruptura limita-se a uma "traição" mais intelectual do que física abstendo-se, tanto quanto percebemos, a consumar o acto. No entanto, é também ela que acaba por fisicamente sentir mais este afastamento acabando por cair no mesmo distúrbio alimentar que, anos antes, lhe havia provocado vários problemas de saúde e auto-confiança.
Do conhecimento ao afastamento passando pelas fases do enamoramento e da repulsa, Nessuno si Salva da Solo transforma-se rapidamente num filme de memórias, de momentos e de cumplicidades e ódios entre um casal que, percebe o espectador, se mantém tão apaixonado como no primeiro dia mas que pelo rancor de uma mágoa se sente impedido de continuar a amar-se.... amando-se.
De casal que se adora a pais muito jovens que têm nos filhos o único elemento que os consegue unir mas que, ao mesmo tempo, lhes confere algum "stress-paternal" por serem agora duas novas vidas ao seu encargo não tendo eles próprios deixado de ser duas crianças adultas, tanto "Delia" como "Gaetano" encontram nas suas diferenças o ponto de um potencial - não confirmado mas sugerido - reencontro que lhes poderá reconduzir numa relação que agora os fará obrigatoriamente crescer. Ambos sabem onde erraram e o que têm de corrigir, ambos sabem que se amam demasiadamente para permitir que as suas vidas não sejam construídas em simultâneo e, como sugerido durante o jantar por um casal que os observa - momento sempre agradável por reencontrar uma fantástica Ángela Molina - se nós não fossemos mais do que pensamentos que qualquer um pensa... teríamos então a oportunidade de viver uma vida melhor... diferente... mais completa... ou simplesmente nossa livre de aquilo que se espera que ela - a vida - seja, concentrando-nos naquilo que esperamos e queremos dela fazer?
Com um final incerto que o espectador poderá interpretar cada um à sua maneira, Nessuno si Salva da Solo é para além de um filme de memórias e momentos passados em conjunto, uma história sobre aquilo que "fomos" e o que se espera (ou esperam) que sejamos esquecendo aquilo que nós próprios temos reservado para o nosso futuro - ou que dele esperamos - com duas intensas interpretações de Scamarcio e de Trinca que dão uma alma especialmente intensa às suas personagens - ambos nomeados ao David em 2015 - graças a uma direcção franca de Castellitto que se preocupa não com um embelezamento das mesmas mas sim com um fiel retrato de um casal comum a tantos outros.
Sentido e honesto, Nessuno si Salva da Solo concentra-se portanto no início, afirmação e fim (ou não) de uma relação que tem única e exclusivamente um só propósito... a existência de um amor sem fim.. ou pelo menos não controlado.
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8 / 10
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