Flotel Europa de Vladimir Tomic é um documentário em formato de longa-metragem de produção dinamarquesa e sérvia editado a partir de gravações de antigas VHS gravadas na Dinamarca aquando da recepção de refugiados bósnios no início da década de 90 do século passado.
Flotel Europa é o nome do barco que serviu de residência para os mais de mil refugiados que encontraram aqui refúgio no porto de Copenhague e do qual fizeram lentamente o seu novo lar, entre os quais o próprio realizador - então com pouco mais de dez anos - a sua mãe e o seu irmão mais velho.
Este documentário acompanha fragmentos desta estadia, da forma como lá chegaram e como tornaram aquela imensa estrutura metálica naquilo que mais próximo se parecia com um lar decorando não só as suas paredes sem janelas com pequenos espelhos ou cartazes os seus demais espaços com uma tentativa de recuperar algumas tradições e costumes que tiveram de abandonar na sua Bósnia natal.
Mas Flotel Europa vai um pouco mais longe. Inicialmente este documentário abre com um conjunto de imagens já gastas pelo tempo - os terríveis efeitos das VHS que todos nós bem conhecemos - mas que, ao mesmo tempo, tecem um interessante paralelismo com os próprios efeitos da memória. Guardaremos nós um registo tão vivo de acontecimentos com mais de vinte anos ou, por sua vez, mantemos apenas vivos aqueles que sendo mais significativos exerceram - também eles - uma relevância maior na nossa memória? São essas imagens iniciais do Flotel Europa - o barco - aquelas que mais marcaram a jovem idade de Vladimir Tomic que as relembra pelo espanto e alegria com que se imaginou a viver num barco de grandes dimensões. Relembra igualmente as mensagens que gravavam e enviavam para a família que tinha ficado para trás presos por um guerra que opôs vizinhos enquanto eles os três tentavam - sem grande sucesso - construir as suas próprias vidas tendo todos os demais na memória.
As aulas de inglês, as danças tradicionais, as ocupações, o cheiro do café, as primeiras paixões, as cantigas e as noites intermináveis junto da televisão que lhes transmitia todas as notícias de um país - o seu - agora cada vez mais distante. Presos num limbo que os distanciava de uma guerra mas que ao mesmo tempo os "impedia" de pisar terra firme e o começo de uma nova vida. Mas ao mesmo tempo recorda também um lado melancólico ao retratar este conjunto de vidas desamparadas, de raízes perdidas, de famílias afastadas deles que, agora numa próspera Dinamarca, continuavam meses sem fim dentro de um barco que perdia - perdera - o seu encanto a cada dia que passava. De porto de abrigo de refugiados a atracção (pouco) turística. De refúgio e uma nova aventura à ideia de uma infância perdida e impossível de recuperar, Flotel Europa transforma-se num intenso registo da entrada de um jovem na sua adolescência enquanto tantos outros se perdiam num louco genocídio que não era - por eles - esquecido.
Ao assistirmos a Flotel Europa é impossível não estabelecermos uma imediata comparação com esta década de '10 do século XXI e transportarmos a realidade destes intervenientes bósnios... agora em sírios... Ao assistirmos a um qualquer noticiário sobre campos de internamento de refugiados percebemos que lentamente as suas condições de bem estar são escassas - se é que algumas -, que o estado de saúde de deteriora e que a desumanização vai lentamente ocupando e reclamando o seu lugar. Que a realidade existe "lá fora" numa qualquer parte do mundo já todos nós - infelizmente - sabemos... no entanto, aquilo que tendemos a esquecer e que Flotel Europa tão bem nos recorda é que a História se repete... ciclicamente... deixando para trás todo um conjunto de novas vítimas.
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8 / 10
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