O Incêndio de Juan Schnitman é uma longa-metragem argentina recentemente estreada em Portugal centrada nas vinte e quatro horas anteriores à escritura de compra de casa de Lucía (Pilar Gamboa) e Marcelo (Juan Barberini). Mas ao dirigirem-se para finalizarem a compra, esta é adiada para o dia seguinte. A frustração dá lugar a momentos de tensão colocando à prova toda uma relação de cumplicidade e afectividade que até então parecia abalada.
Desde os primeiros instantes que o argumento de Agustina Liendo torna perceptível para o espectador que a relação deste casal se fundamenta numa tensão recalcada que ambos tendem a esconder. A falta de vontade em acordarem para um novo dia ou mesmo a incerteza face a sentimentos e vontades de estarem juntos cuja pressão é negociada para "momentos mais tarde", fazem o espectador compreender que existe algo para lá de simples momentos de uma vida e convivência em comum. Algo atormenta as suas existências e esta partilha de momentos, as suas vontades e principalmente uma relação que parece ter tudo para iniciar um caminho comum. Os silêncio que agora começam descontroladamente a assumir o lugar de uma violência contida e que, de certa forma, resume não só aquilo que ambos reservaram para si em nome de uma relação mas também as frustrações acumuladas de uma vida que sentem não estar completa.
É esta violência que, aliás, caracteriza as suas vidas de uma forma geral. Por um lado percebemos que "Marcelo" se sente diminuído não só num trabalho como professor de jovens desprivilegiados onde a defesa pessoal é confundida com agressividade, como também por parte do dinheiro que servirá para comprar a casa juntamente com "Lucía" ter vindo das mãos do seu sogro que (nunca confirmado) vê nele um incapaz de sustentar a mulher. Violência esta que se manifesta também numa vontade cada vez maior que "Lucía" sente de se distanciar dele primeiro recusando qualquer contacto sexual e de seguida privando-o de uma afectividade que, em tempos, tinha caracterizada a relação de ambos e notada pelos parcos comentários que os amigos lhes tecem. O mesmo ambiente de pressão e agressão que oscila entre o física e a verbal é também sentida por ela ao ponto de começar a sentir os seus efeitos num estado de saúde que parece deteriorar-se lentamente.
Se é certo que a convivência de ambos denota alguma agressividade, distanciamento e tensão, não é menos verdade que ao mesmo tempo se sente um estranho receio de algo... O espectador percebe-os comprometidos com algo que não assume uma forma física ou material mas que, no entanto, paira no ar assombrando aquilo que em tempos parece ter sido perfeito e a confiança outrora sentida parece agora estar, também ela, comprometida dando lugar a comportamentos semi-selvagens, quase animalescos, e tal como dois animais em estado livre amam-se e odeiam-se em igual intensidade não conseguindo demonstrar qualquer tipo de afectividade para lá daquela onde a força física esteja envolvida.
"Marcelo" e "Lucía" são assim o espelho de uma sociedade que não pára. Uma sociedade que não joga pelas mesmas regras naturais e de lealdade e que destrói com mais rapidez e assertividade do que aquela com que constrói e num mundo em que um elemento começa a sentir privação de concretização dos seus objectivos, as muralhas de auto-preservação em tempos construídas começam lentamente a abrir uma brecha e a sua ruína anuncia-se para breve.
O conflito - que precede o "incêndio" - vive-se pelos seus silêncios, pela impossibilidade ou pouca vontade de os quebrar e que, como tal, dão lugar a um constante e crescente desconforto, desconfiança, indiferença, asco e até ódios que, todos eles, não só contribuem e agravam aqueles demais problemas com os quais têm de lidar e que se agravam com a natural pressão social e dos pares, como apenas serão resolvidos com a instigação de uma violência inerente a qualquer animal que, sentindo-se encurralado, se quer libertar.
Com duas interpretações violentamente inspiradas de Pilar Gamboa e de Juan Barnerini que no fundo mais não são do que um retrato ferido de uma geração agora nos trinta com poucas perspectivas de sonhos outrora sonhados, El Incendio primeiro corrompe a alma para depois deixá-la com o único recurso possível... o de um silêncio posterior a uma violência interior onde o "eu" percebe que nada poderá ser igual ao que se teve... mesmo quando uma casa nova pode (poderia) representar todo um novo começo.
Desde os primeiros instantes que o argumento de Agustina Liendo torna perceptível para o espectador que a relação deste casal se fundamenta numa tensão recalcada que ambos tendem a esconder. A falta de vontade em acordarem para um novo dia ou mesmo a incerteza face a sentimentos e vontades de estarem juntos cuja pressão é negociada para "momentos mais tarde", fazem o espectador compreender que existe algo para lá de simples momentos de uma vida e convivência em comum. Algo atormenta as suas existências e esta partilha de momentos, as suas vontades e principalmente uma relação que parece ter tudo para iniciar um caminho comum. Os silêncio que agora começam descontroladamente a assumir o lugar de uma violência contida e que, de certa forma, resume não só aquilo que ambos reservaram para si em nome de uma relação mas também as frustrações acumuladas de uma vida que sentem não estar completa.
É esta violência que, aliás, caracteriza as suas vidas de uma forma geral. Por um lado percebemos que "Marcelo" se sente diminuído não só num trabalho como professor de jovens desprivilegiados onde a defesa pessoal é confundida com agressividade, como também por parte do dinheiro que servirá para comprar a casa juntamente com "Lucía" ter vindo das mãos do seu sogro que (nunca confirmado) vê nele um incapaz de sustentar a mulher. Violência esta que se manifesta também numa vontade cada vez maior que "Lucía" sente de se distanciar dele primeiro recusando qualquer contacto sexual e de seguida privando-o de uma afectividade que, em tempos, tinha caracterizada a relação de ambos e notada pelos parcos comentários que os amigos lhes tecem. O mesmo ambiente de pressão e agressão que oscila entre o física e a verbal é também sentida por ela ao ponto de começar a sentir os seus efeitos num estado de saúde que parece deteriorar-se lentamente.
Se é certo que a convivência de ambos denota alguma agressividade, distanciamento e tensão, não é menos verdade que ao mesmo tempo se sente um estranho receio de algo... O espectador percebe-os comprometidos com algo que não assume uma forma física ou material mas que, no entanto, paira no ar assombrando aquilo que em tempos parece ter sido perfeito e a confiança outrora sentida parece agora estar, também ela, comprometida dando lugar a comportamentos semi-selvagens, quase animalescos, e tal como dois animais em estado livre amam-se e odeiam-se em igual intensidade não conseguindo demonstrar qualquer tipo de afectividade para lá daquela onde a força física esteja envolvida.
"Marcelo" e "Lucía" são assim o espelho de uma sociedade que não pára. Uma sociedade que não joga pelas mesmas regras naturais e de lealdade e que destrói com mais rapidez e assertividade do que aquela com que constrói e num mundo em que um elemento começa a sentir privação de concretização dos seus objectivos, as muralhas de auto-preservação em tempos construídas começam lentamente a abrir uma brecha e a sua ruína anuncia-se para breve.
O conflito - que precede o "incêndio" - vive-se pelos seus silêncios, pela impossibilidade ou pouca vontade de os quebrar e que, como tal, dão lugar a um constante e crescente desconforto, desconfiança, indiferença, asco e até ódios que, todos eles, não só contribuem e agravam aqueles demais problemas com os quais têm de lidar e que se agravam com a natural pressão social e dos pares, como apenas serão resolvidos com a instigação de uma violência inerente a qualquer animal que, sentindo-se encurralado, se quer libertar.
Com duas interpretações violentamente inspiradas de Pilar Gamboa e de Juan Barnerini que no fundo mais não são do que um retrato ferido de uma geração agora nos trinta com poucas perspectivas de sonhos outrora sonhados, El Incendio primeiro corrompe a alma para depois deixá-la com o único recurso possível... o de um silêncio posterior a uma violência interior onde o "eu" percebe que nada poderá ser igual ao que se teve... mesmo quando uma casa nova pode (poderia) representar todo um novo começo.
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