sábado, 5 de maio de 2018

Nove de Novembro (2018)

.
Nove de Novembro de Lázaro Louzao (Espanha) revela a história de Roberto (Ademar Silvoso) e Miguel (Brais Yanek) que, no final da década de '80 cumprem dez anos de relação. Em quatro breves dias enquanto assistem às convulsões numa distante Alemanha, as memórias do passado entram em conflito com a sua realidade presente e aquilo que parecia ser uma união estável demonstra ser tão frágil como o Muro que, em Berlim, ameaça ruir.
O realizador e argumentista Lázaro Louzao cria com este Nove de Novembro um conto sobre a relação entre dois mundos aparentemente similares mas que têm de viver numa crescente incerteza que irá definir os seus destinos. Desde cedo que o espectador acompanha a relação entre o par protagonista percebendo as aparentes diferenças que caracterizam cada um deles e, do universo de 1978 àquele de 1989, compreendem-se as dinâmicas entre o casal desde o momento em que reinou a paixão, passando pelo amor, pela convivência e até mesmo pela inesperada traição que marcará um novo momento... o do final... mas não uma ruptura.
Numa constante oscilação entre épocas temporais - não esquecer que assistimos a um presente em Novembro de '89 mas com revisitação ao momento pós-ditadura franquista em 1978 -, Nove de Novembro começa por revelar o momento em que "Roberto" e "Miguel" se conhecem e trocam as primeiras (e pouco desejadas) impressões comuns. Por entre os problemas comuns a qualquer casal que cruzam a traição ou até questões financeiras, dos desentendimentos que tudo geram aos dissabores pelo confronto de realidades que são, em certa medida, distintos entre si, esta longa-metragem apresenta-nos também os momentos cúmplices entre este par protagonista que, ainda assim, parece fazer adivinhar uma iminente ruptura na sua convivência comum.
Mas não são só os esperados problemas enquanto casal que esta longa-metragem revela. Nove de Novembro tem ainda o contributo histórico de inserir o espectador numa determinada época da História contemporânea de Espanha e revelar que desses idos anos da década de '70 onde o país saíra de uma ditadura de mais de quarenta anos, existia toda uma esperança rejuvenescedora na dita "nova geração", onde todos os sonhos e desejos pareciam então possíveis e concretizáveis mas que, pela força de um conservadorismo e catolicismo muito enraizados na sociedade, se deixaram perder tornando-se nas frustrações daqueles que iriam (então) construir a nova Espanha. Entre as frustrações de uma família que nem sempre aceita a revelação da sexualidade de "Miguel", ao início da vivência a dois por este facto despoletada, esta história capta então o tal registo a dois, de dois perante um mundo em constante transformação - não só pela recente Democracia em Espanha como também numa Europa em convulsão e que se reformularia até violentamente - e principalmente a forma como todas as certezas do casal "sentem" (est)a transformação como algo determinante no seio da vida a dois.
Assim, as discussões que inicialmente se assumem como fruto de um conjunto de adaptações normais de uma vida onde dois decidem, começam lentamente a ganhar contornos mais profundos ao revelar dissabores sentidos em relação a uma educação mais conservadora - a de "Miguel" -, que resulta na queda da relação nos lugares comuns daquelas que se formam no início de uma liberdade recém adquirida onde o desejo pelo "proibido" se assume e ganha forma, lentamente minando a confiança, a existência pacífica e a sentida cumplicidade que (em tempos) havia marcado a sua convivência e o seu espaço comum.
Repleto de histórias sobre um passado comum, a consciência de um presente que já não o será podendo estar, inclusive, perdido até na própria amizade, com a certeza da doença que agora afecta o que resta dessa já ida cumplicidade, Lázaro Louzano cria uma história de um amor (não) perdido e ausente que transforma as realidades de dois homens - e da sociedade - num inesperado não tão admirável mundo novo que é vivido quase exclusivamente por detrás das quatro paredes de um quarto onde se conversa, se recorda o passado, se ama e principalmente se ganha consciência da realidade da desilusão. No fundo este não tão breve encontra versa sobre a compreensão daquilo que se perdoa e aquilo que já não se consegue suportar.
Com uma excelente direcção de fotografia de Maite Redondo e Iago Vilarinho que capta a essência de um espaço onde agora já pouca luz consegue brilhar e duas magníficas interpretações a cargo de um intenso Ademar Silvoso que se deixa levar pela força motora de um amor desencantado e de Brais Yanek como aquele que tudo teve e tudo deixou perder, Lázaro Louzao cria Nove de Novembro, uma inesperada e firme primeira longa-metragem onde a história do indivíduo se confunde com a do mundo, complementando-se nas suas diferenças e assumindo-se como idênticas na sentida transformação que ambas encontram... mesmo na liberdade onde tudo aquilo que se espera nem sempre se assume como garantido.
.

.
8 / 10
.

Sem comentários:

Enviar um comentário