A Viagem de Simão Cayatte é uma das excelentes curtas-metragens em competição na terceira edição do Córtex (magnífica selecção) em Sintra que, arrisco dizer sem pudores, ser uma candidata ao prémio final no próximo domingo.
António (Orlando Costa) é um homem desiludido com a vida e com o rumo que ela teve que o conduziu a um aparente beco sem saída. Com poucos desejos e posses que os pudessem concretizar, o único grande desejo que lhe resta é o afecto de Maria (Margarida Carpinteiro), a sua mulher.
Um dia ao chegar a casa António tem o princípio de um ataque cardíaco que o deixa imobilizado no chão sem que Maria, sempre atenta à televisão, perceba a sua agonia. É após este incidente que António resolve dar uma mudança radical à sua vida e levar Maria nas tão merecidas férias que os dois ambicionam mas que nunca tiveram oportunidade de fazer.
Depois de ganhar uma elevada quantia de dinheiro no jogo e de alugar um vistoso carro, partem para uma casa idílica onde irão relaxar... Tudo corre bem ao casal até ao momento em que percebem não ter o mapa que lhes indique o caminho, naquilo que será o princípio de um grande conjunto de improváveis revelações.
Aquilo que de início cativou a minha atenção foi a brilhante dupla de actores que a compunha. É praticamente impossível... aliás, é mesmo impossível não gostarmos destes dois actores que de uma ou outra forma têm abrilhantado os nossos ecrãs há décadas e sempre com pitorescas e bem dispostas personagens com as quais sempre simpatizamos. N'A Viagem não é diferente. Orlando Costa é vibrante, e agrada-me bastante constatar que não só na televisão como também no cinema com várias curtas-metragens que tenho visto este ano, é um daqueles actores que não está esquecido. A sua interpretação como "António", um homem amargurado com a vida que não teve e atormentado por um passado que já lá vai (e que foi a correr) é não só comovente como ao mesmo tempo nos dá uma esperança de que naquele exacto instante ele percebe que tem e vai mudar. Mesmo que essa mudança não seja, no final, aquela que nos esperamos para ele.
E se ele é vibrante, o mesmo se pode com devida justiça dizer a respeito de Margarida Carpinteiro que dá uma simples mas amável vida a "Maria", uma mulher habituada à sua simplicidade e que da vida já nada espera, levando-a calma e tranquila nos seus afazeres diários. É possivelmente através do seu pacato olhar que percebemos que algo correu mal naquela viagem, mas que esta significará para ambos uma mudança irreparável e para a qual ambos não estariam preparados.
Simão Cayatte, que além de realizar assina também o argumento que numa mistura doseada entre o drama e a comédia, entrega-nos uma história que nos faz desejar poder viver a vida como a queremos, sem desculpas ou arrependimentos, e principalmente sem que um dia pensemos nos "e ses" que a vida pode ter. Um argumento que nos fala de sonhos, de esperanças, de desejos, de felicidades, mas também de tristezas, dos arrependimentos, de mudança e também da vida e da morte. Mas principalmente daquilo que acaba por "alimentar" todos nós... a esperança, o sonho e o desejo de nos sentirmos vivos criando para nós aquele lugar especial que, na companhia de quem nos faz feliz, queremos disfrutar.
Sensível, forte e ao mesmo tempo mística esta curta-metragem assume neste final de ano como um dos mais fortes trabalhos que vi e uma das quais estou seguro ir permanecer na minha memória durante muito tempo. Ao Simão Cayatte... os meus mais sinceros parabéns.
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