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O Inferno de Carlos Conceição foi uma das curtas-metragens portuguesas presentes na secção nacional em competição do Córtex em Sintra, e a mais recente obra do realizador de Carne.
Rafael (Ricardo Sá) é o rapaz que limpa a piscina de um homem (Gonçalo Waddington), mas que passa uma boa parte do seu tempo em fortuitos encontros sexuais com Roxane (Maria Leite) a empregada da casa, e com Pilar (Maria Albergaria), a ama de Nico (Martim Barbeiro), a criança.
Nico, um miúdo de cinco ou seis anos, percebe aquilo que os três adultos fazem durante as tardes, e começa a desenvolver uma estranha obsessão e perseguição a Rafael que culmina com um estranho e perturbador pedido a que este acede.
Emocionalmente incomodado (ou fascinado) com aquilo que vê, Nico desenvolve uma bizarra apatia que desperta a curiosidade do pai e também de Pilar mas que revela mais tarde o desejo que aquela tão jovem criança parece desenvolver por Rafael, mas que tranforma este numa espiral de paranóia, medo, incerta e sobretudo culpa.
Temas tão polémicos como a pedofilia, abuso, exibicionismo ou assédio que estão ainda muito pouco explorados no cinema português, consegue ter aqui um clímax ao uni-los. No entanto aquilo que consegue ser ainda mais perturbador é o facto de que aqui o assédio surge pela parte do interveniente de que menos suspeitariamos... "Nico". A interpretação de Martim Barbeiro é francamente perturbadora e, como tal, brilhante e assombrosa. Se por um lado é até certo ponto natural que a uma criança desperte algum interesse certos aspectos da sexualidade, num ambiente como aquele em que ele vive exposto diariamente aos explícitos devaneios sexuais dos adultos que deveriam zelar pela sua segurança, só iriam potencializar toda a sua curiosidade. No entanto, aquilo em que a sua interpretação consegue ser francamente positiva, e de certa forma uma das melhores do ano, prende-se com o facto deste jovem actor conseguir centralizar posturas tão intensas como a do abuso e assédio. É através da sua aparente calma e tranquila postura que ele consegue, de certa forma, seduzir um adulto que, também ele, se quer sentir seduzido sem olhar para quem o faz. Afinal, seria "Rafael" como adulto que deveria ter denunciado a situação e colocando-se assim à margem de uma situação francamente perigosa.
Ao colocar-se no centro de toda a história, Martim Barbeiro consegue cativar um conjunto de sentimentos, atitudes e acções que não só são invulgares como desconhecidas (e de certa forma ainda tabu) de personagens cinematográficas nacionais. A repulsa e o incómodo que o seu rosto angelical e a sua perversa conversa provocam são potencializadas desde o primeiro instante.
E o mesmo se poderá dizer de Ricardo Sá a quem estamos normalmente habituados a ver em desempenhos telenoveleiros, consegue "agarrar" aqui uma personagem a quem dá (e de quem recebe) todo um enorme potencial enquanto actor que espero vir a ver desenvolvido no futuro. Se por um lado detestamos o seu "Rafael" por ser um adulto irresponsável que se deixa seduzir por uma criança, também não deixa de ser verdade que consegue transformar-se numa "vítima" dos desejos macabros de outro. Não temos pena daquilo que lhe poderá acontecer mas percebemos que foi um jogo feito (literalmente) por duas distintas vontades. E brilhante também por conseguir concentrar nos últimos instantes todo um sentimento de culpa, medo e insegurança que resultam numa paranóia pelas consequências do que um tão impensado acto com graves resultados pode despoletar.
Resulta muito bem enquanto curta... Poderia facilmente ter sido uma longa-metragem... E é perturbadora sob qualquer que seja a perspectiva com a qual a analisemos. Um dos pesos pesados deste festival e, arrisco dizer, do último ano cinematográfico que o cinema português apresentou e que seguramente ficará registado como um dos mais fortes trabalhos deste realizador.
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9 / 10
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