quinta-feira, 9 de julho de 2020

Amador (2019)

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Amador de Carlos Polo (Espanha) é uma das curtas-metragens presentes na competição oficial Ficção da sétima edição do Leiria Film Fest que este ano decorre num formato online devido à situação de emergência sanitária do COVID-19 naquela que se assume como uma das mais intensas histórias deste ano.
Ele (Israel Elejalde) encontra-se numa loja de brinquedos. Fala ao telefone com a mulher que o questiona sobre o seu atraso. À saída, um encontro com um homem mais novo. O futuro está prestes a vingar uma acção do passado.
Depois de Trato Preferente (2014) nomeada ao Goya da Academia Espanhola de Cinema e de Hogar Dulce Hogar (2017), Carlos Polo regressa com uma história que, uma vez mais, se aproxima de potenciais realidades da sociedade contemporânea que o cinema consegue retratar com um olhar clínico mas, ao mesmo tempo, dotados de uma sensibilidade que, aqui muito concretamente, não nos deixa criar empatia com o protagonista mas sim repudiá-lo quando o vemos como um homem como qualquer outro mas com um segredo que o distancia dos demais pela monstruosidade dos seus actos.
Esta realidade faz-nos conhecer um homem como qualquer outro. Um homem como uma aparente vida familiar estabilizada que, por entre todos os problemas matrimoniais que possam existir, se concentra no bem-estar que criou com o seu núcleo familiar. No entanto, cedo compreende o espectador que existe um segredo escondido que coloca em causa toda essa aparente normalidade. O homem não se encontrava naquele local por acaso... existia um encontro. Um encontro marcado com um homem mais jovem assumindo assim o espectador que existe uma vida dupla e que aquele homem - numa magnífica interpretação Israel Elejalde - que em tempos assumira uma vida dita normal perante a sociedade reprimiu, ao mesmo tempo, todo o seu desejo homossexual o qual satisfaz em pequenos e fortuitos encontros longe dos olhares dessa mesma sociedade que abraçou.
Mas, é quando tudo corre mal e este encontro dá lugar a um momento tenso e violento que se compreende que nem este encontro foi casual nem tão pouco o desejo daquele homem é simplesmente algo homossexual. O jovem revela um desejo de vingança por um passado que nunca é explicado. O encontro dá lugar a um assalto e este a um momento de tensão e violência pouco explicados e que permitem apenas a sugestão por parte do espectador mais atento a pequenos detalhes que podem indiciar o que une estas duas personagens entre si. A violência, inicialmente física, cedo se manifesta como uma vingança psicológica de um passado temporalmente distante mas ainda presente na mesma do jovem que opta por privá-lo de todos os seus bens no momento. Apenas resiste um peluche que a personagem de Elejalde comprar para o seu filho antes de se encontrar com o seu jovem companheiro.
Das promessas de amor firmadas junto da sua família a uma vida que o espectador até poderia identificar como a de alguém que cedeu às pressões sociais da família, dos amigos e até mesmo da comunidade, é na dinâmica tida com o filho que se compreende que este homem poderá esconder algo mais. Uma vez inserido na vida social do seu filho, é então que se aproxima o choque e a repulsa do espectador, agora sim esclarecido sobre as reais intenções deste homem e, sobretudo, sobre o seu passado e a relação que o uniu ao seu assaltante deixando a este último todo um trauma psicológico que, mesmo passados anos, nunca fora ultrapassado.
A realidade aqui presente desmonta todo um perfil sobre os predadores sexuais que se escondem por detrás de rostos aparentemente comuns que qualquer um de nós pode ver a qualquer instante nas nossas ruas, deixando o espectador com todo um conjunto de interrogações primeiro sobre as já mencionadas pressões exercidas pela sociedade e pela comunidade que esperam e vão delinear o rumo da vida de cada um - a heteronormatividade com o casamento,a família e a paternidade a si associados versus o exercício da verdadeira sexualidade - e, por sua vez, o entendimento do espectador que aquele homem que inicialmente fora pensado como alguém que escondia e reprimia a sua sexualidade mais não era do que um perigoso predador que vive(ra) na sombra e que era causador de inúmeros ataques a vítimas inocentes. Um predador e um pedófilo que, tal como uma aranha, foi pelo menos uma vez preso na sua própria teia... até quando?!
Intenso conto dramático sobre um terror escondido por detrás dos aparentemente mais "normais" rostos, em Amador Israel Elejalde tem uma fortíssima interpretação que, enquanto tal, o espectador compreende a sua magistralidade mas que, enquanto retrato de um perigoso rosto, consegue provocar todo um conjunto de igualmente intensas e desconfortáveis sensações primorosamente apuradas por uma realização segura e fria do realizador espanhol que aqui seguramente entrega uma das suas mais dedicadas (e delicadas) obras de formato curto.
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9 / 10
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