O Peculiar Crime do Estranho Sr. Jacinto de Bruno Caetano (Portugal) é uma das curtas-metragens de animação presentes na competição oficial da sétima edição do Leiria Film Fest.
Uma cidade. Tempos futuros. A Natureza foi proibida e a vida como a conhecemos já não existe. Um homem comete um crime. As consequências, ainda que inesperadas, revelam os tempos em que vive.
Encontramo-nos numa cidade sem um único sinal de vida. A já mencionada Natureza não existe e mesmo a vida humana parece limitada a um conjunto de comportamentos que se transformaram em hábitos de sobrevivência desprovidos de qualquer sentido racional que os aproxime daquilo que são... humanos. Com gestos e comportamentos controlados quer pelas autoridades quer por aqueles que agora vivem dentro de uma "nova ordem" social, como resistir quando o diferente, o belo ou aquilo que é (agora) inatingível surge inesperadamente ao virar da esquina? Diz-se que o maior acto de rebeldia é a forma como se desafia a ordem... mas, na realidade, não será este mais do que a admiração pelo belo e desconhecido que se assume à frente dos (nossos) olhos e garante o vislumbre daquilo que já não existe mas que encontra uma forma de sobreviver no mais inóspito dos ambientes?
Esta curta-metragem não poderia chegar numa altura mais pertinente. Habituados que estamos em observar o nosso meio ambiente ser destruído pelos inequívocos "sinais da evolução" que transformam espaços verdes em cemitérios de cimento e onde tudo se limita a uma vida de rápido, desorientado e desorganizado consumismo, perguntamos (quando já não o temos), o que é feito dos espaços verdes que, em tempos, embelezavam as nossas ruas, os nossos bairros e as nossas cidades?! Em O Peculiar Crime do Estranho Sr. Jacinto o realizador Bruno Caetano desafia esta nova "normalidade" dando cor (ou a sua falta) a uma intransigente realidade que o espectador consegue identificar em tantos bairros e em tantas cidades - eventualmente a sua - e questiona rapidamente... para onde nos dirigimos?
Como toda uma consequência dessa realidade o que encontramos na realidade... de uma cidade cinzenta e poluída a um policiamento que surge de todas as esquinas. De pessoas desinteressadas com a realidade que, eventualmente, nem chegaram a conhecer a um ritmo frenético e mecanizado a grande questão surge quando o maior acto (ou pelo menos o inicial) de rebeldia é manifestado por uma força maior que poderemos identificar com essa Natureza "desaparecida". Esta é agora considerada como algo subversivo, tal como a água que agora só pode ser obtida gota a gota mediante um pagamento quase insuportável e a sobrevivência clandestina da mesma deve-se apenas àquele que, em sigilo e na clandestinidade, mantêm a autêntica necessidade de mudar (para) algo que eventualmente nunca havia conhecido. Identifica e reconhece mas o espanto denotam a compreensão de que aquilo que se observa é algo desconhecido como que observando um fruto proibido.
Assim, e neste contexto de uma "nova realidade" - ou o "novo normal" que este ano tanto se utiliza -, esta curta-metragem aborda temáticas tão importantes como a massificação da industrialização desordenada, da construção selvagem, da substituição do meio natural pelo cimento e pelo betão mas também de uma nova ditadura que, tão antiga como aquela que os livros de História relatam, primeiro começa com a implantação de um novo conjunto de regras que poderão assumir-se como "inofensivas" mas que cedo se manifestam como ordens obrigatórias a cumprir, que se verificam pelos olhares indiscretos de alguém sempre pronto a identificar-se com esse regime e sobretudo pela penalização que o mesmo aplica para aqueles que o "desafiam"... mesmo nas acções mais básicas que são, para este, subversivas.
Intenso e actual serão os melhores adjectivos a aplicar a este O Peculiar Crime do Estranho Sr. Jacinto que não só é uma das curtas-metragens mais apropriadas e actuais do presente momento - nacional e mundial - como também dos mais bem executados e pertinentes filmes cuja animação, nem sempre inocente, alerta para esta "mudança" não anunciada mas sempre assumida como a realidade que vivemos abrilhantada por uma música original de Filipe Raposo que capta um certo espírito "moderno" apenas amenizado por uma direcção de arte que nos transporta para um mundo distópico que por vezes não identificamos num passado ou num futuro... francamente anunciado.
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8 / 10
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