Reonghee de Jegwang Yeon (Coreia do Sul) é uma das curtas-metragens presentes na categoria de Ficção da sétima edição do Leiria Film Fest que relata uma história de emigração dos tempos modernos.
Duas trabalhadoras numa fábrica. Uma nacional... a outra uma emigrante ilegal. Quando o seu local de trabalho é alvo de uma inspecção da polícia de emigração, uma delas morre. O que resta quando a outra se sente ilegal no seu próprio país?
Jegwang Yeon capta não só o silencioso drama da emigração ilegal, que aqui apesar de motor central desta história acaba por ser, em última análise, aquilo que despoleta todo o restante conto, mas também a história daqueles que ficam no "depois" da tragédia e que desconhecem todo um trajecto tido por quem neste seu "agora" desapareceu.
Esta é assim a história de duas mulheres. Duas mulheres que em qualquer outra circunstância estão em circunstâncias semelhantes. As duas tentam trabalhar e ganhar a sua subsistência e, longe de luxos, sobrevivem num mundo onde compreendem existir quem provavelmente não tenhas as mesmas oportunidades que elas têm em poder ter um local de trabalho para o qual se dirigem todos os dias. Com despesas inerentes a uma vida dita normal e um ou outro sonho de pequenos luxos que tardam em chegar, a sua situação apenas se torna diferente quando analisamos e compreendemos que uma delas está num território que não é o seu. Desconhecemos qual a sua situação familiar, financeira e até emocional para lá de que está ilegal num país onde tenta sobreviver. É então que aquele fatídico dia revela, não para ela mas sim para a sua colega e amiga, a realidade de um mundo que espreita ali ao lado sem que ela alguma vez tivesse dado conta.
Da realidade da perseguição institucional ao distanciamento de uma entidade patronal que se quer descartar de problemas e compensações, é a jovem coreana agora sobrevivente de uma tragédia que nunca pensou sobreviver que compreende que ali ao seu lado na sua agora desaparecida amiga, existe toda uma situação frágil e potencialmente perigosa para centenas - talvez milhares - de pessoas que tentam a possibilidade de um dia melhor que poderá não chegar. Reonghee é assim, muito rapidamente, uma história que se revela não sobre a vítima mas sim sobre aquela que lhe sobrevive e que conhece toda uma nova e desconhecida realidade tão ou mais sombria do que aquilo que alguma vez imaginou... se é que alguma vez o fez.
Distante dos tradicionais rituais moralistas que tantas vezes algumas destas histórias nos entregam, Reonghee obriga o espectador a questionar-se não sobre a situação de fatalidade em si, mas sim uma inesperada questão que lentamente se constrói na mente do espectador... quem é afinal o verdadeiro ilegal nesta história? Será aquela que procurou uma vida melhor numa realidade diferente da sua ou a sobrevivente que sendo natural do país em que se encontra desconhece as realidades escondidas nas sombras de vidas anónimas e que a colocam (agora) frente a uma realidade social, económica e humanitária que desconhecia e que a assombra como um pesadelo que vive repetidamente e a cada momento do seu dia? Ou, por sua vez, a questão utópica que deveria ser realmente posta em cima da mesa... existe, de facto, alguém que seja "ilegal"... esteja e seja onde fôr?
De uma frescura revigorante - apesar do seu pesado e angustiante tema e desfecho -, Reonghee é o inesperado filme sobre a emigração que todos nós sabemos existir mas que se assume como uma realidade para a qual não estamos preparados ou tantas vezes preferimos não abrir os olhos! Intenso, provocador e assumidamente obriga a uma inesperada reflexão, esta curta-metragem é um assombroso conto de um terror moderno que assusta não pela sua imaginação mas pela sua trágica e sensível realidade.
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8 / 10
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