Declaração de Guerra de Valérie Donzelli foi um dos filmes nomeados para a edição dos César deste ano e um dos filmes surpresa que estrearam nas salas de cinema nacionais.
Roméo (Jérémie Elkaïm) e Juliette (Valérie Donzelli) conhecem-se numa festa. Para lá da potencial tragédia que os seus nomes adivinham, percebemos pelos seus olhares que algo de bom irá acontecer a ambos. Depois de um fulgurante romance Juliette engravida. Têm um filho... Adam, que cedo denota alguns problemas de crescimento e de capacidades motoras. Adam tem um tumor cerebral e o seu prognóstico não é o mais favorável.
É a partir deste momento que a sua verdadeira provação enquanto pais, casal, família e principalmente amigos será colocada à prova.
A surpresa inicial deste filme é, logo à partida, o estilo em que é filmado. Se por um lado temos uma vertente documental que nos ilustra não só os primeiros passos na relação entre Roméo e Juliette recheados de festas, loucura e boas vibrações que culminam com o nascimento do seu filho, também não deixa de ser verdade que rapidamente percebemos que esta mesma "documentação" de factos nos está a transportar para um lado mais negro e mais negativo daquilo que são as relações entre os indivíduos e principalmente destes quando têm a seu cargo uma nova vida. Por outro, não nos podemos desligar do facto de aqui nos estar a ser contada uma história. Uma história de amor entre duas pessoas. Delas para com o seu filho. Para com a sua família, e principalmente na sua sobrevivência após anos de sacrifício e de dor sabendo que o fruto do seu amor poderia, a qualquer momento, desaparecer.
Temos então uma história contada ao estilo de "docu-romance" que contém ainda a maior particularidade de todas... esta não é uma qualquer história comovente ficcionada num momento mais inspirado. Esta é a história real de Jérémie Elkaïm e de Valérie Donzelli, que assinam o argumento, sobre o seu filho que foi realmente vítima de um tumor cerebral que o entregou nos primeiros anos de vida às camas de um hospital e a diversas operações.
A estrutura comovente sem puxar à lágrima fácil sobre os problemas pelos quais o casal passou, evocam na sua maioria esta vertente mais documental. Percebemos aquilo pelo qual estamos a passar mas ao mesmo tempo não nos comovemos facilmente porque entendemos pelo que nos é transmitido que esta não é uma história de perda. É sim uma história de sacrifício, de dor e de mudanças, mas sobretudo uma história de conquista, de vitória e de uma diferente forma de união alcançada no final da maior das provações possíveis. É, acima de tudo, uma história de amor. Amor que se tem, que se perde, que se renova.
Se por um lado poderemos achar que a história se tornaria mais comovente com outros actores, devido a um qualquer distanciamento dos mesmos da história para com a qual poderiam não ter grandes afinidades, não deixa também de ser verdade que aqui o que se pretende não é uma comoção fácil mas uma compreensão de que por muito dura que seja, a batalha poderá ser vencida. Donzelli, que se destaca não só como realizadora e argumentista mas também como a actriz principal do papel que foi seu na dita vida real, mostranso a dor e a angústia de uma mãe jovem que se vê a par da maior das provações que a sua vida alguma vez lhe poderia mostrar. Comovente sim. Mas não de uma lágrima fácil. Acompanhamos a sua luta sem fim, de pedra e cal, forte e com a determinação de que tudo fará pelo seu filho.
E o mesmo se pode dizer sobre Jérémie Elkaïm que é talvez aquele que tem uma maior transformação. De jovem de poucas responsabilidades a pai preocupado que sofre na maior parte do tempo em silêncio, mas que no momento de maior suposta alegria mostra a sua real fragilidade, dando "voz" àquela velha linha da canção... "silêncio no meio de tanta gente". Aqui sim, o momento mais comovente de todo o filme.
Mas não se pense que este filme é uma tragédia. Nem tão pouco um conjunto de lágrimas que vertem sem parar. Longe disso. É sobretudo, e como já referi, uma história de amor. De entrega. De sentimentos e de cumplicidades que primeiro os pais, depois a família e os amigos partilham entre si em nome de uma jovem criança que iniciou o seu próprio percurso de vida.
Temos os nossos momentos mais comoventes sim, mas eles são quase sempre doseados, e muito bem, de situações mais ligeiras, de algum humor e até mesmo de uma loucura que é inerente à jovem idade que Donzelli e Elkaïm tinham (e têm).
Declaração de Guerra, numa alusão à época em que a história se iniciou com a invasão do Iraque em 2003, é também uma declaração de guerra à morte, ao cancro, à tristeza, à dor e sobretudo à mágoa que raramente existe nesta história. É sim uma declaração de força e de energia que no final nos faz sentir, apesar de todo o seu conteúdo, bem. Sentimo-nos bem pela força das suas expressões, dos seus momentos e sobretudo pela força que fez desta história trágica um caso real de sucesso.
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8 / 10
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