Branca de Neve de Pablo Berger foi um dos filmes da sessão de abertura do Cine Fiesta no Cinema São Jorge em Lisboa e um dos mais antecipados não só pela originalidade com que era apresentada a sua, já conhecida, história mas também por ser a selecção espahola para o Oscar de Filme Estrangeiro.
A história, como já referi, é conhecida de todos. No entanto existem pequenos grandes detalhes que a distanciam do já tradicionalmente conhecido dando-lhe um saudável e fresco ar de originalidade ao qual ninguém consegue ficar indiferente. Esta história decorre nos anos 20 do século pasado, numa Espanha ultra-conservadora. Como se isto não bastasse há ainda a referir que o conto situa-se numa Andaluzia em que o desporto favorito decorre numa praça de touros. É exactamente num evento destes que tudo se inicia e acontece.
E é aqui que vamos encontrar a nossa Branca de Neve ou, mais concretamente Carmen (Macarena García), uma jovem que após a morte de Carmen (Inma Cuesta) a sua belíssima e jovem mãe, bem como de Concha (Angéla Molina) a sua protectora avó, vê o seu pai Antonio Villalta (Daniel Giménez Cacho), um notável toureiro ídolo de todos os andaluzes, casar com Encarna (Maribel Verdú) uma demasiadamente disponível e sinistra enfermeira que rapidamente afasta a jovem que possui um brilho natural muito particular e admirado por todos.
Se deste original e magnífico argumento, também ele de Pablo Berger, não bastasse conhecermos "só" isto, acrescento ainda que também não estão esquecidos os nossos anões e também eles com as suas "inovações"... Eles adoram a Branca de Neve, que é como quem diz... Carmen e... são toureiros por puro entretenimento e comédia da sua extensa legião de fãs. Mas isto não chega... para uma Espanha ultra-conservadora tem de existir a dita "ovelha-negra" no seio dos célebres anões, e temos assim um deles... transsexual.
E no momento da tão badalada maçã envenenada... bom, quanto a esse só mesmo vendo para descobrir quem irá despertar (ou não) o coração da nossa heroína adormecida naquela que é uma anunciada, mas não declarada, verdadeira paixão.
Se algum de nós (possivelmente todos) pensa que conhece a história da Branca de Neve e dos seus anões... pois que se engane porque depois de ver esta nova incursão pelas mãos de Pablo Berger percebemos que tudo aquilo que até então conhecíamos deste conto pode, afinal, ser originalmente alterado e mesmo assim manter-se fiel à essência de um conto "pouco" infantil, e originar as mais diversas situações de vingança e de maldade sem nunca esquecer o tom mágico das suas inúmeras personagens. Basta para isso olharmos para elas e percebemos que todos os elementos que conhecemos de cada um se mantêm ainda presentes... Começando logo pelo princípio, temos uma Branca de Neve, ou Carmen, (Macarena García), doce, afável e afectuosa para todos aqueles que a rodeiam mesmo já tendo sido tão maltratada na sua tão jovem existência. E Encarna, ou a Bruxa Má (Maribel Verdú), consegue também ela manter toda a essência pelo mal e genuinamente destestar aquela que é possivelmente a pessoa mais pura e bondosa com que alguma vez se cruzara, acrescentando-lhe o facto de que aqui assume também uma vertente Dominatrix que enriquece ainda mais a sua, já de si, macabra personagem. E obviamente que não podemos esquecer os anões, elementos fundamentais desta história, que apesar de aqui serem indivíduos do espectáculo e do entretenimento, continuam a manter todo o seu afecto e amabilidade para com a Branca de Neve, e exacerbar alguns sentimentos e comportamentos que até este momento eram desconhecidos por nós espectadores, nomeadamente no que diz respeito à transsexualidade de um e àquilo que irá mover Rafita (Sergio Dorado) e que para se saber... há que ver o filme quando estrear comercialmente em Abril.
Mas as novidades que este argumento tem não se ficam por aqui. Apesar de ser essencial que esta história se mantenha fiel às suas origens, não deixa igualmente de ser verdade que para se distanciar das demais, em particular das várias adaptações cinematográficas que este conto viu só neste ano, tinha de se adaptar à actualidade. Em primeiro lugar ao retirar o tradicional conto de princesa e castelo para uma tradicional família andaluza, não só enquadra a história num meio muito particular como também lhe dá uma identificação com o país de origem do filme tornando-o assim num conto que poderia realmente ser andaluz e não necessariamente germânico. Um outro aspecto que adapta a história aos nossos dias, e que possivelmente até poderia ter passado sem ser notado, é quando na praça de touros a nossa Carmen decide não terminar a vida do touro numa clara posição que o próprio realizador e argumentista assume perante este conto "moderno". E mesmo o facto de ser rodado a preto e branco e mudo não nos afasta do filme. Pelo contrário acaba por captar ainda mais a nossa atenção para os pequenos grandes detalhes que o povoam e que simplesmente mais o enriquecem.
Temos o exuberante guarda-roupa de Paco Delgado que, por entre factos de sevilhanas e de toureiros capta muito da essência e dos costumes do povo andaluz num desfile exuberante de vestimentos que conseguem regalar o olhar de qualquer um muito graças também ao trabalho de fotografia de Kiko de la Roca que numa imagem a preto e branco fá-los ganhar vida e destacarem-se num cenário que poderia ser, à partida, adverso a que reparássemos na sua extensa qualidade. Finalmente, algo que acaba por ganhar vida através da sua sinistra dimensão é a banda-sonora de Alfonso Vilallonga que tem vários acordes dignos de qualquer mente retorcida, psicótica e verdadeiramente assustadora. De uma ponta à outra, todo este filme é um vencedor, e não me espantaria que na próxima cerimónia dos Goya da Academia Espanhola de Cinema, fosse um dos mais nomeados e também um dos mais galardoados.
Resumidamente esqueçam aquilo que pensam conhecer deste conto ou das inúmeras adaptações mais ou menos bem sucedidas que ao longo dos anos têm sido realizadas. Aqui, àparte desse conhecimento graças ao filme de Walt Disney, temos uma história original que tanto tem de divertido como de sinistro e que no final consegue deixar todos nós apaixonados pelo que vimos. O filme espanhol do ano... sim, mas também um dos filmes do ano.
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10 / 10
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