Después de Lucía de Michel Franco é a seleccção mexicana para o Oscar de Filme Estrangeiro e que passou no Lisbon & Estoril Film Festival, num relato frio e bastante cruel de uma das maiores problemáticas da sociedade actual.
Alejandra (Tessa Ia) e o seu pai Roberto (Hernán Mendoza) mudam-se para uma nova cidade após a trágica morte da mãe. Quando tentam recomeçar as suas vidas com um novo trabalho para Roberto e uma nova vida escolar para Alejandra, esta parece não ser fácil. Se por um lado Roberto evidencia os primeiros sinais de cansaço e esgotamento, Alejandra sofre em silêncio com a pressão e o bullying de que é alvo após os seus novos "amigos" a começarem a torturar das mais diferentes formas sempre que têm uma oportunidade.
Cansada das torturas e do silêncio a que se sente obrigada para não sobrecarregar o seu já cansado pai, Alejandra encontra um dia a oportunidade para desaparecer, levando a trágicas e desesperadas consequências que ninguém poderia adivinhar.
Este filme premiado em Cannes, e que não me espantaria se conseguisse recolher uma nomeação ao Oscar, tem no argumento, também ele da autoria de Michel Franco, um dos pontos mais fortes. Não pela temática do bullying em si que, infelizmente, de tempos a tempos acabamos por assistir a casos idênticos nos noticiários, mas sim naquilo que é, a meu ver, brilhantemente retratado através da excelente interpretação de Tessa Ia... os silêncios. É através deles que um flagelo como o bullying se perpetua dia após dia matando lentamente aquilo que caracteriza alguém que consegue no seio de um grupo ter uma luz própria.
São estes mesmos silêncios que fazem do argumento deste filme um claro vencedor, e são eles que estão presentes do início ao final. Os silêncios criados com a morte da mãe de "Alejandra"... aqueles estabelecidos pelo seu pai com inúmeras preocupações mas que de nenhuma fala. Aqueles que vão surgindo com a adolescência e com o despertar da sexualidade de "Alejandra" e finalmente com a pressão e o constante assédio, os silêncios criados por esta para não atormentar o seu pai já de si sobrecarregado com os problemas de uma vida nova numa cidade desconhecida.
Dito isto, só nos podemos concentrar de seguida na magnífica interpretação de Tessa Ia que consegue suportar todo um filme sózinha. É certo que todos os restantes actores estão lá mas a complementá-la. É através dos seus silêncios (sempre presentes) e do seu olhar frio e distante que nada revela do seu sofrimento àquele que mais a quer proteger, mas que para nós espectadores transmite um mar de pequenos grandes pensamentos e dores que compreendemos e nos atingem como se a nós fossem destinados (e são). Que se disfrute este momento pois estamos diante de uma jovem actriz que ainda irá dar muito que falar não só graças a este filme como também no seu futuro profissional.
Além da temática principal do filme que se prende quase exclusivamente com este flagelo social que é o bullying, não deixa também de estar bem implícito no filme os traumas e tormentos sofridos por uma família que tenta resistir à morte de um dos seus (a mãe), e que se sente profundamente marcada e ferida pelo seu desaparecimento. A sua nova vida, nova cidade, escola, trabalho e conhecimentos sociais todos se devem, sem excepção, a esta sua nova realidade, e à qual ainda não se encontram perfeitamente adaptados e, como tal, se sentem ensombrados por ela.
E se depois de ver praticamente todo o filme ainda existissem dúvidas sobre o quão duro e frio ele é, os momentos finais são no mínimo angustiantes quando, após o desaparecimento de "Alejandra" constatamos que um "Roberto" revoltado e sedento de vingança toma, como o último acto em memória da sua filha, a justiça pelas próprias mãos. Percebemos que o final será trágico, só não sabemos até que ponto o será, e no exacto momento faz-se silêncio por toda a sala do cinema.
É um filme cru, seco, revoltante e que de uma ou outra forma nos afecta e nos deixa a reflectir sobre a brutalidade das imagens... Principalmente se pensarmos que todos aqueles actos marginais e de violência são efectuados pelas mãos de adolescentes que, com uma vida pela frente, a resolvem tornar cedo demais (é sempre cedo demais), violenta.
Um dos grandes filmes que não se devem perder deste ano que está prestes a chegar ao fim mas que só o deverá trazer comercialmente a Portugal no próximo e que, a nível de ensino secundário, deveria ser obrigatório ver.
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8 / 10
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