Câini de Bogdan Mirica é uma longa-metragem romena - em co-produção com França, Bulgária e Qatar - presente na Selecção Oficial - Em Competição na décima edição do LEFFEST - Lisbon & Estoril Film Festival que termina no próximo dia 13 de Novembro.
Roman (Dragos Bucur de quem nos poderemos recordar da curta-metragem luso-romena Luminita (2013), de André Marques) viaja para o interior profundo da Roménia para vender a propriedade do seu recentemente falecido avô. Testemunha de alguns misteriosos acontecimentos que o fazem suspeitar da vida criminosa do avô, Roman conhece Samir (Vlad Ivanov), um dos fiéis funcionários do mesmo firmemente determinado em manter a propriedade alheia a estranhos enquanto que, ao mesmo tempo, Hogas (Gheorghe Visu), o polícia local tenta restabelecer a lei há muito desaparecida.
O argumento de Mirica remete o espectador para uma história que cruza diversos géneros como o são o de filme sobre o submundo do crime que, no entanto, surge sob a atmosfera de um velho western norte-americano aqui geograficamente deslocada para uma Roménia rural onde, curiosamente, o local do "enterro" não é o deserto de Las Vegas mas sim as silenciosas planícies e lagos pantanosos que as preenchem.
Distante e desconhecedor da vida e do passado de um avô com quem - entendemos - "Roman" ter tido pouca convivência, esta história apresenta-se inicialmente como um relato de descoberta de um passado que o define enquanto pessoa mas que, ao mesmo tempo, não cria nenhum laço de identificação ou empatia com um espaço que é - apenas - extenso territorialmente ou com a família com quem pouco privara. O distanciamento existente entre Homem e território - que evidencia que nem sempre as origens criam qualquer tipo de aproximação entre ambos - sofre algumas oscilações à medida que priva com aqueles que foram outrora funcionários do seu avô - nas mais variadas e por vezes ilegais tarefas - levando-o a crer que tão depressa quer manter aquele espaço nas suas mãos como livrar-se dele e esquecer um passado que mal começou a compreender.
Entre histórias não contadas e noções de justiça que o - nos - deixa(m) à beira de um limite, aquilo que "Roman" compreende e faz perceber também sobre si é que existe uma clara noção de que apesar daquele local - e aquelas pessoas - puderem ser uma parte da sua própria história familiar não são, no entanto, parte daquilo que ele hoje é. A vingança, ou a justiça conforme o lado que a analise e avalie, são meras noções de uma qualquer condição de grupo que necessita ser valorizada e como qualquer matilha, defendida quando ameaçada.
Com uma calma e tranquilidade apenas semelhante às dos velhos western norte-americanos onde as vinganças eram planeadas e saboreadas através do apurar dos anos, Câini celebra o género com diversos e súbtis elementos que o espectador encontra ao longo de todo este filme nomeadamente a extensa e árida planície propriedade do avô de "Roman" que sem uma única aparição neste filme se mantém dominante pelo espírito e imagem retida por aqueles que o rodearam. Elementos esses que abrangem também a imagem dos dois lados da lei sem que, no entanto, nenhum deles seja detentor de um qualquer virtuosismo mas sim ambos sobreviventes de uma noção e modo de vida que tenta - à sua maneira - controlar os destinos do meio. Elementos mais simbólicos como o próprio espaço geográfico - já referido - que se assemelha às desérticas planícies norte-americanas onde, também nelas, decorrem batalhas entre esses dois lados da lei e finalmente aquele será o mais curioso e, por momentos, até cómico elemento, quando a vítima se arrasta no chão... e um abutre paira no ar simbolizando a morte de alguém e a sobrevivência do "outro".
Porque nas lutas pela honra... pelo espaço... pela memória e até mesmo pela noção de dignidade que é criada nos dois lados da barricada, Câini revela um lado ainda mais enigmático colocando nas mãos dos criminosos a noção de honra e de lealdade, enquanto que do lado de "Roman" se destaca a sua indiferença pela herança, pelos seus valores e até mesmo pela transmissão do espaço de geração em geração levando o espectador a questionar-se não sobre quem é a vítima ou aquele que rema contra a lei mas sim sobre o que terá levado este último a distanciar-se da única certeza que tem... as suas origens.
No final apenas uma certeza... muita morte e apenas um único sobrevivente que o espectador questiona... será este diferente? Melhor? Aquele que defende de facto a justiça? A lei - ou a sua noção - onde permanecem? Quem é que, no meio de todo este tranquilo e mordaz jogo de vida e morte, é realmente digno de representar aquilo que de melhor e mais leal a vida (num seu todo) tem? Sem certezas e apenas com uma caminhada rumo ao pôr-do-sol (outra simbologia dos velhos western...) Câini termina com muitas (in)certezas mas com a clara noção de que o único real sobrevivente de toda esta trama é o permanente e intenso desejo de uma vingança que tarda... mas que se fermenta lentamente à espera de se efectivar.
.
.
8 / 10
.
Sem comentários:
Enviar um comentário