Uma Vida à Espera de Sérgio Graciano é uma longa-metragem portuguesa e o mais recente trabalho do realizador de Assim Assim (2012) e Njinga, Raínha de Angola (2013) presente na competição oficial da XXª edição do Caminhos do Cinema Português onde, este ano, tenho o privilégio de estar presente enquanto membro do júri.
Ele (Miguel Borges) ao sair de casa retira a caixa do correio. Dirige-se a um jardim onde se senta num banco e organiza os seus poucos pertences. Escreve uma carta ao filho. Ali permanece sentado e espera uma resposta durante dias... meses... anos...
Poderá esta resposta chegar ou será este filho uma realidade imaginada? Alguém que ele nunca teve? Os dias passam... os anos chegam. Toda uma vida teve de ficar à espera.
No seio de uma grande cidade é a incomunicabilidade e a solidão que lhe está inerente que, em diversos momentos e situações, marcam ou guiam as relações entre os seus cidadãos. Não será de estranhar que com o crescimento acelerado dessa cidade - ou até de um bairro - que todos se tornem estranho entre si apesar de cruzarem os mesmos espaços diariamente. No entanto, o que acontece quando essa indiferença e ausência surgem dentro de um mesmo apartamento num qualquer bairro dessa mesma cidade? Frederico Pombares, argumentista deste Uma Vida à Espera tenta responder, ou pelo menos levantar algumas questões, sobre esta potencial dinâmica que é tantas vezes ignorada.
Desde os instantes iniciais que o espectador apenas se cruza com a presença de um homem (Borges) aparentemente bem sucedido e com uma vida estável e estabilizada. Dele nada conhecemos ou sabemos para lá de um misterioso comportamento que o leva a abandonar a sua casa apenas na posse de uma caixa de correio e uma pequena mala com aquilo que pensamos ser alguns parcos pertences. "Ele" instala num banco de jardim e espera. Escreve e estabelece pequenas conversas com os poucos vizinhos que, num mundo cada vez mais anónimo, ainda tiram algum do seu tempo para se aproximar daquele homem e questioná-lo. De anónimo passa a conhecido de um grupo de pessoas... De um rapaz (José Afonso Pimentel) que passa... de um sem-abrigo (José Martins) que com ele mete conversa e de uma mulher (Isabel Abreu) que apesar de uma vida aparentemente estabilizada parece sofrer de um mal comum... a solidão.
É no seio desta invulgar nova família que pouco se vai cruzando mas que parecem compreender-se e partilhar um mesmo trágico destino que "Ele" vai adoptando enquanto espera que o "Carteiro" (José Mata) passe e lhe deixe alguma correspondência. Lentamente percebemos que ele espera pela carta de um filho que ninguém conhece ou viu... por notícias de uma vida passada que parece - à altura - ter desprezado. Uma vida da e à qual parece ter sido alheado, desinteressado e indiferente esquecendo aqueles que nela também "habitavam". Atormentado com um passado que não é revelado na sua totalidade, este homem perde-se e degrada-se num espaço que apesar de lhe ser relativamente familiar nada lhe diz ou lhe interessa.
Da culpa sentida a uma nova cumplicidade com "Ela" (Isabel Abreu), "Ele" tem apenas como melhor amigo um cão que não o abandona tendo desligado todos os elos de ligação com uma vida na sociedade que resolveu e escolheu abandonar... Vive a sua penitência naquele jardim e no banco onde dorme e partilha com o seu fiel amigo... o único, e sofre de uma dor que é, em tudo, psicológica e a única forma de sentir "algo" é quando (re)vive uma qualquer dor quer seja ela provocado pela ideia de abandono - d'"Ela" ou do cão - ou quando fisicamente violentado às mãos dos marginais que percorrem o jardim pela noite. A proibição do sentir foi-lhe auto-imposta e a única coisa que deseja - um contacto do filho que desprezou - parece não chegar.
Num cruzamento de sentimentos de amor, solidão e sobretudo arrependimento, Frederico Pombares escreve uma história que poderia ser real ao retratar tantas e tantas pessoas que definham quer física quer psicologicamente por existirem individualmente em vidas solitárias. Indivíduos esses que passam pela vida centrados em pequenos afazeres ignorando os demais que circulam à sua volta e que um dia percebem que os mesmos os abandonaram de forma irreversível. É verdade que este argumento parece querer esconder algo mais a respeito deste afastamento entre pai e filho como que um segredo maior estivesse por detrás do desaparecimento do filho mas, na sua essência, é a invisibilidade que este sentira que o levou a sair do espaço partilhado por um pai que, estando sempre presente, nunca lá estava de facto.
Com um conjunto restrito de actores dos quais se destaca obviamente o grande Miguel Borges com uma - mais uma - intensa composição de um homem como tantos outros com os quais nos cruzamos diariamente na rua e que, tal como ele, o ignoramos por não fazer parte do tal círculo de proximidade (não é segredo para ninguém que estamos perante um dos mais fortes, inteligentes e dinâmicos actores portugueses) mas que, ao mesmo tempo, queremos saber quem ele é, o que o terá levado até àquele mesmo local, o que fez, quem "foi" pois, afinal, ninguém (?!) irá dedicar-se a esta vida de uma mendicidade voluntária se não esconder algo suficientemente grave no seu passado, temos ainda Isabel Abreu como uma mulher que não tendo abandonado a sua vida passada - também ela marcada pela desgraça - tenta desesperadamente encontrar um novo rumo e recomeçar, o "Dr. Ernesto" de José Martins, um sem-abrigo, também ele voluntário, que se aproxima do de Miguel Borges e dois enigmáticos anónimos em José Afonso Pimentel que com ele estabelece a primeira conversa e se torna presente na sua vida e o "Carteiro" de José Mata que todos os dias durante anos com ele se cruza sem nunca lhe dirigir uma palavra.
Depois das já referidas Assim Assim e Njinga, Raínha de Angola, Sérgio Graciano regressa com esta que é a sua terceira longa-metragem - ainda à espera de estreia comercial no país - revelando a sua já conhecida capacidade de dirigir histórias intensas, dramáticas, repletas de inuendos (não tão) banais como aparentam ser e rodeado de um conjunto de actores que de si fazem sair o melhor para dar vida a esse conjunto de vidas anónimas com as quais todos os dias nos cruzamos sem saber o que vivem, como sentem, como superam ou com e por elas se deixam definhar. Uma Vida à Espera leva o espectador a pensar sobre quantas poderão ser as histórias que existem em todas aquelas pessoas que diariamente observamos em silêncio, os seus dramas e razões de existir ou até mesmo os porquês de resistirem nesse tal mundo que insistem em ser rápido e anónimo.
No seio de uma grande cidade é a incomunicabilidade e a solidão que lhe está inerente que, em diversos momentos e situações, marcam ou guiam as relações entre os seus cidadãos. Não será de estranhar que com o crescimento acelerado dessa cidade - ou até de um bairro - que todos se tornem estranho entre si apesar de cruzarem os mesmos espaços diariamente. No entanto, o que acontece quando essa indiferença e ausência surgem dentro de um mesmo apartamento num qualquer bairro dessa mesma cidade? Frederico Pombares, argumentista deste Uma Vida à Espera tenta responder, ou pelo menos levantar algumas questões, sobre esta potencial dinâmica que é tantas vezes ignorada.
Desde os instantes iniciais que o espectador apenas se cruza com a presença de um homem (Borges) aparentemente bem sucedido e com uma vida estável e estabilizada. Dele nada conhecemos ou sabemos para lá de um misterioso comportamento que o leva a abandonar a sua casa apenas na posse de uma caixa de correio e uma pequena mala com aquilo que pensamos ser alguns parcos pertences. "Ele" instala num banco de jardim e espera. Escreve e estabelece pequenas conversas com os poucos vizinhos que, num mundo cada vez mais anónimo, ainda tiram algum do seu tempo para se aproximar daquele homem e questioná-lo. De anónimo passa a conhecido de um grupo de pessoas... De um rapaz (José Afonso Pimentel) que passa... de um sem-abrigo (José Martins) que com ele mete conversa e de uma mulher (Isabel Abreu) que apesar de uma vida aparentemente estabilizada parece sofrer de um mal comum... a solidão.
É no seio desta invulgar nova família que pouco se vai cruzando mas que parecem compreender-se e partilhar um mesmo trágico destino que "Ele" vai adoptando enquanto espera que o "Carteiro" (José Mata) passe e lhe deixe alguma correspondência. Lentamente percebemos que ele espera pela carta de um filho que ninguém conhece ou viu... por notícias de uma vida passada que parece - à altura - ter desprezado. Uma vida da e à qual parece ter sido alheado, desinteressado e indiferente esquecendo aqueles que nela também "habitavam". Atormentado com um passado que não é revelado na sua totalidade, este homem perde-se e degrada-se num espaço que apesar de lhe ser relativamente familiar nada lhe diz ou lhe interessa.
Da culpa sentida a uma nova cumplicidade com "Ela" (Isabel Abreu), "Ele" tem apenas como melhor amigo um cão que não o abandona tendo desligado todos os elos de ligação com uma vida na sociedade que resolveu e escolheu abandonar... Vive a sua penitência naquele jardim e no banco onde dorme e partilha com o seu fiel amigo... o único, e sofre de uma dor que é, em tudo, psicológica e a única forma de sentir "algo" é quando (re)vive uma qualquer dor quer seja ela provocado pela ideia de abandono - d'"Ela" ou do cão - ou quando fisicamente violentado às mãos dos marginais que percorrem o jardim pela noite. A proibição do sentir foi-lhe auto-imposta e a única coisa que deseja - um contacto do filho que desprezou - parece não chegar.
Num cruzamento de sentimentos de amor, solidão e sobretudo arrependimento, Frederico Pombares escreve uma história que poderia ser real ao retratar tantas e tantas pessoas que definham quer física quer psicologicamente por existirem individualmente em vidas solitárias. Indivíduos esses que passam pela vida centrados em pequenos afazeres ignorando os demais que circulam à sua volta e que um dia percebem que os mesmos os abandonaram de forma irreversível. É verdade que este argumento parece querer esconder algo mais a respeito deste afastamento entre pai e filho como que um segredo maior estivesse por detrás do desaparecimento do filho mas, na sua essência, é a invisibilidade que este sentira que o levou a sair do espaço partilhado por um pai que, estando sempre presente, nunca lá estava de facto.
Com um conjunto restrito de actores dos quais se destaca obviamente o grande Miguel Borges com uma - mais uma - intensa composição de um homem como tantos outros com os quais nos cruzamos diariamente na rua e que, tal como ele, o ignoramos por não fazer parte do tal círculo de proximidade (não é segredo para ninguém que estamos perante um dos mais fortes, inteligentes e dinâmicos actores portugueses) mas que, ao mesmo tempo, queremos saber quem ele é, o que o terá levado até àquele mesmo local, o que fez, quem "foi" pois, afinal, ninguém (?!) irá dedicar-se a esta vida de uma mendicidade voluntária se não esconder algo suficientemente grave no seu passado, temos ainda Isabel Abreu como uma mulher que não tendo abandonado a sua vida passada - também ela marcada pela desgraça - tenta desesperadamente encontrar um novo rumo e recomeçar, o "Dr. Ernesto" de José Martins, um sem-abrigo, também ele voluntário, que se aproxima do de Miguel Borges e dois enigmáticos anónimos em José Afonso Pimentel que com ele estabelece a primeira conversa e se torna presente na sua vida e o "Carteiro" de José Mata que todos os dias durante anos com ele se cruza sem nunca lhe dirigir uma palavra.
Depois das já referidas Assim Assim e Njinga, Raínha de Angola, Sérgio Graciano regressa com esta que é a sua terceira longa-metragem - ainda à espera de estreia comercial no país - revelando a sua já conhecida capacidade de dirigir histórias intensas, dramáticas, repletas de inuendos (não tão) banais como aparentam ser e rodeado de um conjunto de actores que de si fazem sair o melhor para dar vida a esse conjunto de vidas anónimas com as quais todos os dias nos cruzamos sem saber o que vivem, como sentem, como superam ou com e por elas se deixam definhar. Uma Vida à Espera leva o espectador a pensar sobre quantas poderão ser as histórias que existem em todas aquelas pessoas que diariamente observamos em silêncio, os seus dramas e razões de existir ou até mesmo os porquês de resistirem nesse tal mundo que insistem em ser rápido e anónimo.
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"Ela: A culpa é o contrário do melhor amigo... está sempre lá quando não é preciso."
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