Koca Dünya de Reha Erdem é uma longa-metragem turca presente na Secção Oficial - Em Competição da décima edição do LEFFEST - Lisbon & Estoril Film Festival que decorre até ao próximo dia 13 em várias salas da região de Lisboa.
Ali (Berke Karaer) e Zuhal (Ecem Uzun) são dois adolescentes que foram criados como irmãos num orfanato. Ao atingir a maior idade, Ali abandona o local enquanto que Zuhal é levada para um lar de acolhimento onde se prepara para um casamento combinado.
Impedidos de se comunicarem, os dois adolescentes fogem para uma floresta próxima após Ali ter cometido um terrível crime que o impede de permanecer na civilização tal como a conhecem. Mas quando Zuhal sofre um acidente, este contacto tem novamente de surgir.
Vencedor do Prémio Especial do Júri da Secção Orizzonti na última edição do Festival Internacional de Veneza, Koca Dünya é uma história presa a um acentuado elemento místico que une a sombra de um mundo real àquela de um espaço imaginado e inúmeras referências bíblicas que são habilmente transformadas a uma era dita moderna.
Os primeiros instantes desta longa-metragem levam o espectador para aquela que parece a história disfuncionar de dois irmãos que, separados de uma figura parental, resistem e sobrevivem nas malhas paralelas de uma sociedade nem sempre benemérita. Por um lado um irmão - recém adulto - que sobrevive com biscates e do outro a sua jovem irmã que vê toda a sua vida "limitada" pelo inevitável casamento com um homem muito mais velho que a sustentará e a quem ela deverá servir sem questionar.
Se a fatalidade da vida não fosse por si só condicionante, tudo parece ganhar contornos mais sérios e, esses sim, determinantes quando para se libertarem de um jugo social previamente estabelecido se vêem envolvidos num triplo homicídio cujas consequências são incertas para ambos. A única solução encontrada para este par de sonhadores - que na realidade não partilham nenhum laço de sangue mas sim afectivo - é refugiarem-se na ideia de uma nova sociedade que "constroem" numa floresta recriando uma vivência surreal e fantástica sobrevivendo dos bens que a própria fornece e de uns quantos trabalhos que "Ali" mantém. É então que a dimensão quer filosófica quer fantástica e até mesmo histórica e religiosa ganham forma ao transformar neste espaço aparentemente idílico no já de todos conhecido Jardim do Éden. Um casal, perdido no meio de um espaço deserto de vida humana - ou pelo menos assim o pensamos até confirmarmos que não é bem assim - e cuja única companhia é a vida animal nativa que cruza os mesmos caminhos que eles, comem frutos que as árvores fornecem e são ensombrados com a "visita" de uma serpente que convenientemente "protege" os frutos proibidos sem, no entanto... os proibir assim tanto.
Mas esta floresta vai revelando que não é tanto um Éden como poderá ser um limbo... Um local perdido no tempo e no espaço e onde aqueles que pretendem fugir de um fim incerto encontram um refúgio tendo de pagar um elevado preço... uns com a vida... outros com a fome... e outros até com a sempre presente ameaça à sua segurança que pode ser colocada em risco por todos os inocentes perigos que espreitam a cada "esquina".
Se por um lado o espectador se deixa deslumbrar com o lado metafórico e até fantástico de uma história que esquece a realidade do mundo que ficou para trás, é também justo afirmar que ainda que estando dinamizado o conteúdo - e a forma - de uma floresta (não) encantada, o mesmo deixa-se levar por um certo misticismo e loucura que o faz esquecer sobre a eventual veracidade - e possibilidade - de uma vida paralela num espaço que está, na prática, a poucos metros de uma estrada movimentada. Ninguém teria interesse em procurar estas "vítimas" de uma vida desfeita deixando-os circular sem rumo ou propósito até ao próximo crime? Até que ponto está desinteressada a lei de um país para procurar os culpados desse mesmo crime e, em última análise, quem serão os verdadeiros culpados numa história que parece não ter inocentes?!
Com uma segura interpretação revelação de Berke Karaer como um jovem levado ao limite num mundo que parece não ser feito para aqueles que não têm uma base segura de sobrevivência, um facto é que são a direcção de fotografia de Florent Herry e a música original que conseguem criar não só a linha condutora desta história como principalmente toda a recriação de um ambiente fantástico e imaginado que aproxima Koca Dünya de um conto de fadas... pouco tradicional.
Eventualmente um filme pouco fluído e que apenas consegue prender o espectador aos seus instantes de um invulgar género "fantástico", esta longa-metragem turca é, no entanto, um intenso relato sobre a mente e o propósito de uma geração perdida nas promessas não cumpridas de um passado que é, também ele, difuso e disperso levando aqueles que são o amanhã a regressarem à vida numa sociedade que não construíram, para a qual não são escutados e que tão pouco tem interesse no contributo que a ela podem deixar.
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