Zeus de Paulo Filipe Monteiro é uma longa-metragem luso-argelina presente na Secção Oficial - Em Competição da XXIIª edição dos Caminhos do Cinema Português que decorrem até ao próximo dia 26 em Coimbra e que relata um período na vida de Manuel Teixeira Gomes, antigo Presidente da República Portuguesa e escritor, paixão que, aliás, nunca perdeu.
Quando no início da década de 20 se sentiam em Portugal os ventos de uma revolta, o então Presidente Teixeira Gomes (Sinde Filipe) fazia denotar o seu descontentamento com as elites conservadoras predominantes no país e uma vontade cada vez maior de abraçar uma liberdade que - então - não sentia possuir.
Quando nos finais de 1925 decide demitir-se da sua posição e embarcar no paquete Zeus, Teixeira Gomes iria então viver na Argélia, então colónia francesa, onde ficaria até à sua morte libertando-se das amarras de um país que vivia agora uma ditadura.
Zeus de Paulo Filipe Monteiro é então a história de um homem dividida em dois distintos segmentos. O primeiro destaca o período português do homem então Presidente da República, da figura de Estado saturada de um país que parecia retroceder esquecendo as premissas libertárias e Republicanas que vivia há mais de uma década, aproximando-o - ao país - de destinos sombrios, ultra-conservadores e retrógrados que diminuíam o Homem e elevam uma tradição que se pretendia esquecida ou, melhor dizendo, ultrapassada. De homem boémio - aspecto do seu carácter que apenas é mencionado - a homem do poder, Teixeira Gomes revela-se como um homem saturado das intrigas palacianas a que o sujeitam, das ameaças de derrube político pelos inuendos e insinuações de que é alvo bem como por essa ameaça presente de que um regime mais sombrio poderá ser a única salvação de um país que se encontra à beira de uma ruptura. A salvação pelas "sombras" que tanto temia, parece ser a certeza máximo que adivinha para um país atormentado e instável.
Da sua auto-destituição do poder para a sua própria libertação dos labirintos governativos de um país que aparenta(va) não se querer governar, Teixeira Gomes ruma à Argélia dando assim origem ao segundo momento de Zeus. É aqui que depois de percorridas as dunas de um território colonial francês, Teixeira Gomes começa o seu rápido processo de adaptação ao espaço e ao povo com quem empatiza de imediato estabelecendo sólidas relações de amizade enquanto recorda o seu turbulento passado recente numa Lisboa sombria e, como contraste, os momentos de um "Ramiro" (Ivo Canelas) auto-biográfico no Algarve de 1900. Pelas memórias - afinal um dos elementos mais importantes de todo este filme - o espectador conhece o homem "Teixeira Gomes" com uma personalidade fundamentalmente melancólica e saudosista de um passado que abandonou quando seguira para a Presidência da República, e como omite daqueles com que convive, este passado que subtilmente considerada nefasto e virtualmente pobre no seu curriculum.
Do seu jovem "Ramiro" aos amigos e conhecidos passados como "João" (Miguel Cunha numa fortíssima e memorável interpretação) o empregado que teve nas suas férias de boémia na sua terra, passando pelos amigos, conhecidos e adversários com que se cruzou no seu percurso político e que não o deixaram esquecer o homem de espírito livre e honesto nas suas convicções, este período argelino seria manchado pelos primeiros movimentos independentistas que se faziam sentir na colónia francesa e os primeiros sinais de uma invasão da Itália do Mussolini que faziam anunciar a guerra que se aproximava. Da perseguição de Lisboa àquela de que é alvo em Bougie por ser um "estrangeiro", Teixeira Gomes é um homem que no essencial vive solitário apenas na presença de "Amokrane" (Idir Benebouiche), o argelino que o acompanha para todo o lado e a mais fiel companhia destes seus dias. De Portugal - das pessoas - pouco parece restar e em todo este tempo apenas conheceu a visita de um "Norbeto Lopes" (Carloto Cotta) que o pretende entrevistar e que, de certa forma, revela o seu passado político, e o desencanto para com o país que o viu nascer marca toda uma saudade de e para com o mesmo.
Entre a boémia que marcou toda a sua juventude, o desencanto com a falta de horizontes com que terminou o seu período português e o reencontro com os prazeres da vida numa Argélia "pronta" para também ela atravessar um duro período, "Texeira Gomes" - homem e Presidente - marcou um período pouco falado na História de Portugal, como o homem que renunciou ao poder, às intrigas, aos "beatos" que tão vincadamente se apoderavam dos destinos do país e, de certa forma, a toda uma posição social que vinha a ser minada pelos seus inimigos preferindo com toda a certeza viver a vida que sempre desejara ter... mesmo longe da terra que o viu nascer.
Sinde Filipe, naquela que será seguramente a sua melhor e mais representativa interpretação de toda uma carreira, dá corpo a um homem esquecido pela própria História, aos seus feitos - principalmente de espírito - e à sua presente vontade de fazer do - e ao - país o espaço moderno e liberto que dele pretendia... afinal, como dizia, a República isso pedia.
Da reconstituição histórica à caracterização - brilhante Sara Menitra - e ao guarda-roupa de uma perfeccionista Sílvia Grabowski, Zeus é uma magnífica aposta do realizador Paulo Filipe Monteiro em dirigir um filme português de cariz histórico - infelizmente tão pouco habitual no nosso cinema considerando a rica História que o país tem - o coroar de uma carreira como a de Sinde Filipe e sobretudo aproximar o já referido período histórico português ao seu público - tão pouco habituado a compreender as origens do fascismo - sem que este seja, no entanto, o centro de uma história que se ocupa sim das memórias de um passado vivido em liberdade e de um presente ocupado com a confirmação de uma amizade fiel.
Com estreia comercial marcada para o início do próximo ano, Zeus "abre" o ano cinematográfico português da melhor forma, elevando as expectativas e confirmado a certeza de que o cinema nacional tem pernas para andar desde que criadas as condições para se filmar o povo, a História bem como - principalmente - a sua memória.
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"Manuel Teixeira Gomes: (...) que sina triste ser lido pelos beatos."
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8 / 10
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