O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu de João Botelho é uma longa-metragem portuguesa subdividida em dois segmentos específicos. Num primeiro momento o espectador depara com um documentário sobre a vida e obra do realizador Manoel de Oliveira, sobre a influência que este exerceu sobre Botelho seguido por um segundo segmento ficcionado no qual é dado corpo a uma história que Oliveira pretendia realizar, Prostituta ou a Mulher que Passa mas que ficou a cargo de Botelho com o título A Rapariga de Luvas.
Num registo que percorre uma boa parte da obra ficcional de Manoel de Oliveira, esta longa-metragem de João Botelho reflecte sobre a mesma e sobre a genialidade do realizador português ao preceder vários estilos como o construtivismo que apresenta a cidade do Porto como uma cidade onde se encontra um rebuliço pouco natural numa cidade portuguesa da época - recordo que o momento escolhido é retirado do filme Douro, Faina Fluvial (1931) - ou o realismo poético de Aniki Bóbó (1942) que aproxima o espectador de uma realidade pouco provável para a década em questão.
Da vida à morte, da realidade à imaginação romântica de uma realidade perdida, O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu revisita ainda obras como Acto da Primavera (1963), A Caça (1964) sobre a crueldade dos animais em paralelo àquela dos homens, Amor de Perdição (1978), Francisca (1981), Le Soulier de Satin (1985), Os Canibais (1988), 'Non' ou a Vã Glória de Mandar (1990), Vale Abraão (1993), Viagem ao Princípio do Mundo (1997), Belle Toujours (2006), O Estranho Caso de Angélica (2010) e ainda Gebo et l'Ombre (2012) sempre tendo em mente uma premissa que fez história... "se não há dinheiro para filmar uma carruagem que se filme e bem a sua roda".
Da inspiração do mestre ao mise en scène de um dos seus sonhos, Botelho parte à descoberta da história que fascinou Oliveira e que abre o segundo momento deste filme - agora ficcionado - no qual dá corpo a Prostituta ou A Mulher que Passa (de Oliveira) aqui baptizado como A Rapariga de Luvas... a história de uma jovem mulher (Mariana Dias) maltratada pela violência de um pai abusivo e que se vê forçada a fugir de casa encontrando lugar, como único refúgio, num bordel onde é obrigado a vender o corpo aos homens abastados da cidade.
Objecto de desejo dos mesmos, esta jovem esconde apenas as suas mãos, marcadas pelas queimaduras infligidas pelo pai até que conhece um jovem (Miguel Nunes) que se apaixona perdidamente por ela e tenta retirá-la de uma vida de desgraça. Mas, como esta nunca termina solteira, os infortúnios voltam a bater-lhe à porta e colher a sua saúde até uma morte prematura.
Num registo que recupera o cinema mudo, este A Rapariga de Luvas é assumidamente o ponto forte de todo o filme - e aquele no qual baseio toda a minha pontuação ao mesmo - conferindo-lhe a essência de eras passadas, a "cor" de uma cidade onde prevalecem costumes sombrios e autoritários mas que consegue abrilhantar a verve de um humanismo improvável nas suas personagens mostrando-lhes, e também através delas, que a esperança consegue persistir e resistir no seu mais profundo e íntimo ser.
Com uma direcção de fotografia exemplar e que facilmente se consegue atribuir a um exímio João Ribeiro como que levando o espectador a apreciar um quadro em movimento - aliás, muito prolífero o trabalho do director de fotografia neste último ano com filmes como Gelo, Treblinka, Cartas da Guerra, A Toca do Lobo, Ascensão e o ainda por estrear Zeus - e uma sentida interpretação de Mariana Dias com todo o potencial para poder ter sido protagonista de uma longa-metragem, O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu é uma obra original e diferente - na sua concepção - que oscila entre dois momentos distintos onde prevalece a ficção com todo o potencial para se poder ter assumido como uma obra irreverente e avassaladora.
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