quarta-feira, 13 de junho de 2018

Sand & Blood (2017)

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Sand & Blood de Matthias Krepp e Angelika Spangel (Áustria/Iraque/Síria) é um dos documentários presente na competição oficial pelo Lince de Ouro do FEST - New Directors New Films Festival a decorrer em Espinho a partir da próxima semana.
Este documentário é elaborado com um conjunto de testemunhos de cidadãos sírios e iraquianos presentes em campos de refugiados na Áustria - nunca identificados -, enquanto o espectador visiona, ao mesmo tempo, imagens dos seus países após a ocupação americana do Iraque em 2003 e demais consequências desse acto.
De forma lúcida e acutilante, todos eles reflectem sobre o passado vivido, sobre a sua juventude perdida face às guerras pelas quais os seus países atravessaram e ainda a possibilidade (ou inexistência) de um conjunto de sonhos porvir.
Dividido entre três capítulos e um epílogo, Sand & Blood inicia o seu relato com o segmento Saddam's Long Shadow onde se reflecte sobre a vida antes e depois da regência de Saddam Hussein e de todas as transformações provenientes com a invasão norte-americana do território considerado como o princípio do fim. Invadido que estava o país e dividida a sua população entre aqueles que ansiavam a esperança de uma liberdade desconhecida e os que viam nesta nova forma de vida o fim de uma aparente "tranquilidade" vivida, este segmento é marcado - e recebe o seu título - pelas palavras do ditador sobre o país posterior à sua governação... apenas restaria sangue... e areia. De destaque ainda o surgimento dos primeiros movimentos extremistas, incluindo terroristas, que se fixaram inclusive com o apoio de uma parte da população descontente com a ocupação estrangeira.
O segundo capítulo, God Syria Freedom, refere-se tal como o próprio título indica, na Síria, e tem o seu início em 2011 quando os movimentos emergentes da Primavera Árabe deram lugar a um conflito civil que se alastra até aos nossos dias deixando várias cidades do país completamente destruídas e obrigando a população a uma fuga em massa.
O terceiro e quarto capítulos intitulados The War of Sects e The Path of Jihad referem-se directamente às constantes lutas de poder entre as várias etnias e principalmente entre os diversos grupos terroristas que têm vindo a ocupar as cidades que conquistam em ambos os países - ultimamente menos no Iraque -, evidenciando também as acções de todas as "facções" no recrutamento desde cedo das crianças que endoutrinam nas diversas ideologias de forma a que se sinta sempre presente a constante divisão e a existência de dois "lados" criando, dessa forma, ódios, distanciamentos e a separação daqueles que anteriormente eram considerados amigos ou até mesmo família deixando inclusive, uma forte instabilidade na sociedade, na estrutura das comunidades e ainda na parca formação política que poderá existir.
Finalmente no Epílogo ou Paradise que fica marcado, ainda que por parcas palavras, uma vontade extrema de uma outra vida. Uma em que a família está próxima e não em territórios, ou até mesmo países, distantes. Uma vida em que a juventude pudesse ser vivida como tal e na compreensão de que chegam a um país diferente, num continente diferente com uma população habituada a escutar aquilo que as suas cidades hoje representam e que a imagem criada sobre eles - refugiados - pode não lhes ser totalmente benéfica.
A emotividade de Sand & Blood chega não tanto pelos relatos desencantados destes refugiados que, compreensivelmente, nunca revelam os seus rostos, mas sim pelas imagens não editadas de todo um descalabro de um país e de uma sociedade que saiu forçadamente de um processo de regime ditatorial para um em que os movimentos extremistas se revelaram uma força dominante no mesmo, ou seja, em vez da ditadura de "um" que todos consideravam perigosa encontramos agora a ditadura de "todos" (não uma anarquia mas sim resultante da proliferação dos diversos grupos extremistas que agora co-habitam o país) que foi instaurada como fruto da desordem provocada pela invasão norte-americana (no Iraque) e pela vontade de uma liberdade fruto da Primavera Árabe (na Síria), totalmente desvirtualizada quando deixada nas mãos daqueles que procuram um controlo tão ou mais bárbaro do que os ditadores que ocupam - ou ocupavam - o poder há várias décadas. É através destas imagens que compreendemos toda a decadência de um país e, principalmente, de um povo que se deixou levar pelas boas intenções de uma esperança em liberdade mas que caiu nas malhas de uma perigosa rede sedenta de poder que destruiu todas as suas ambições levando-lhes os seus pertences, essa mesma esperança e sobretudo os seus sonhos e muitos dos seus entes mais próximos. Aí, nesse brevíssimo epílogo residem as verdadeiras emoções de histórias de vidas reais que tudo revelam por poucas palavras que, no entanto, o espectador desejaria ter visto ainda mais exploradas apesar de todo o "acompanhamento" na primeira pessoa ao longo de todo o documentário.
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8 / 10
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