Häuschen - A Herança de Paulo A. M. Oliveira e Pedro Martins (Portugal) é uma curta-metragem do género fantástico que nos revela e transporta para um universo semi-fantástico na medida em que todas as aparências... iludem de facto.
Maria (Adriana Moniz) e Miguel (Fernando Pires) chegam a uma casa no meio da floresta. A chuva e estarem perdidos sem solução de momentos leva-os a aceitar a ajuda de um misterioso habitante (José Raposo) que parece querer acolhê-los e poupá-los à tempestade que os espera lá fora. Poderão ser inocentes as suas intenções ou algo mais está à sua espera naquela que será a noite mais longa das suas vidas?
O que mais se destaca no argumento desta curta-metragem de quinze minutos - assinado por Pedro Martins, Pedro Borges e Andreia Albernaz -, é o sentido ambivalente que deixa transparecer desde os instantes iniciais. Sabemos, logo de partida, que aquilo que nos será apresentado é uma história sobrenatural, de suspense, de terror... ou possivelmente um misto de todos os géneros que se inserem numa componente fantástico. No entanto, é muito lentamente que compreendemos que existem elementos nesta história que nos remetem para um passado distante e para uma história possivelmente conhecida de todos os espectadores... o conto de Hansel e Gretel perdidos na floresta e rumo à casa da bruxa com planos muito próprios para os seus destinos.
O jovem casal "Maria" e "Miguel" mais não procuram de uma noite tranquila que os afaste daquele temporal. Se ele parece um jovem preocupado e que vê potenciais enredos cinematográficos à sua volta (não fosse ele um aspirante a realizador), já "Maria" parece evasiva demais para com o ambiente que a rodeia sendo, inclusive, francamente evasiva quando abordada por qualquer um dos homens que lhe faz companhia principalmente com o "Lenhador" por quem aparenta sentir um profundo desdém. E, se os dois jovens parecem viver num misto de distanciamento e curiosidade para com aquele local, as dúvidas dissipam-se (para o espectador), quando um misterioso bolo de chocolate parece querer adornar o que resta de aconchego no espaço que cada vez mais se transforma numa inevitável prisão para ambos. Mas, e se as aparências iludem como inicialmente referi? E se existe mais do que aquilo que os indícios parecem querer fazer notar? E se as vítimas não o são e transferirem o seu "papel" para o previsível agressor?
É quando as identidades de todos se revelam que o espectador compreende a real dimensão destes Hansel e Gretel alternativos que são tão ou mais perigosos que a suposta "bruxa" que os aprisiona e pretende devorar. Tal como todas as histórias que assistem ao seu próprio revivalismo, este Häuschen - A Herança transforma o conto tradicional com o qual - possivelmente - todo o espectador desta curta-metragem "cresceu" dando-lhe um twist de modernidade e de cariz mórbido não esquecendo nenhum dos elementos tradicionais mas, ao mesmo tempo, conferindo-lhes a capacidade de inovar alguns detalhes e inserir este conto nos tempos modernos... Num mundo onde todos nós vivemos centrados nas aparências, questiona-se o espectador o que acontece quando o mesmo é surpreendido por aquilo que poderia - inicialmente - parecer óbvio... O tal óbvio que, por tanto o ser e parecer impossível, é nesse recanto do impensável que faz residir a verdadeira diferença e natureza... aquilo que em tempos salvou Hansel e Gretel pode hoje... ser o engodo para as novas vítimas da dupla tão pouco fraternal e que se revela como verdadeiros predadores capazes de fazer tremer a memória que deles guardamos.
Com um ambiente sombrio e labiríntico fiel ao género onde conseguem ainda primar os momentos de humor, o sentido de perda dos nossos dias onde o telemóvel é essencial para a sobrevivência e orientação dos mais destemidos ou mesmo os momentos "picantes" que se esperam, esta curta-metragem é ainda detentora de uma nova - e de certa forma inesperada - versão do conto dos Grimm... afinal, quem pode esperar que nem todas as vítimas ou vilões o são na realidade, Häuschen - A Herança surpreende pela recriação de pequenos elementos fundamentais e revivalistas, por interpretações compenetradas (Raposo), descontraídas (Moniz) e indispensáveis (Pires), tendo todas elas almas e propósitos muito vincados para dar a cor própria ao seu sentido, e sem nunca esquecer a fidelidade que deve ao estilo em questão fazendo dela um exemplar do terror light recriando, de forma assumidamente moderna, todos os elementos necessários para que o espectador compreenda que nem sempre se está perdido... ou tão pouco a salvo quando uma luz brilha no escuro.
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7 / 10
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