Meat Wagon de Josh Gould (EUA) é uma das estreias da décima edição do Buried Alive Film Festival em Atlanta e um dos mais curiosos filmes curtos da selecção na medida em que o seu potencial - por explorar - poderá criar um interessante conto de terror moderno.
Um homem que não consegue respirar. Dois paramédicos chamados para assistência. Uma casa e todo um conjunto de crenças religiosas que se misturam numa história onde o terror está porvir.
Num estilo muito próprio da série Z, esta magnífica curta-metragem de Josh Gould prima desde os seus primeiros instantes pela direcção de fotografia de Sidarth Kantamneni que confere a esta história a atmosfera assustadora dos filmes zombie que George Romero entregou há mais de trinta anos e que deixaram o grande público num suspenso sobre o que era mito ou realidade no espaço e no tempo da história a que assistiam. Mais, Meat Wagon consegue com os seus vários elementos escondidos por entre palavras enigmáticas e que deixam muito à sugestão do espectador, criar um conto que mescla essa incerteza do espaço com crenças religiosas, voodoo e ainda desavenças familiares que expõem o público a uma espécie de transe na medida em que este se concentra em todo um conjunto de subtis detalhes que chegam a um ritmo alucinante sem que, no entanto, nada na dinâmica desta história revele muito mais do que o início de "algo" que está por acontecer.
O espaço é, pensamos, familiar. Um sul profundo dos Estados Unidos... uma região ligada à crenças voodoo onde os feitiços e as conjuras são frequentes para que uma parte aparentemente vítima de uma comunidade possa garantir o (seu) controlo sobre a mesma. O espectador desconhece quais os seus fins. Nada, nesse aspecto, consegue ser suficientemente claro para que se delimite as acções daqueles que "nos" circulam mas, ainda assim, percebe que todos os acontecimentos que ali testemunhamos mais não são do que o início de uma qualquer revolução social que está por chegar... Serão zombies... será um qualquer feitiço de histeria colectiva... será uma simples dominação pelo subconsciente? Nada é certo. A única certeza conferida por esta história é que os acontecimentos, tal como se espera que eles se desenvolvam, ainda estão por chegar.
Ver a dinâmica desta história faz o espectador recordar um qualquer filme de Romero ou até mesmo destas recentes histórias de The Walking Dead. O espaço - físico - é familiar. Locais perdidos e voluntariamente isolados que são a génese de tudo o que está por acontecer... no fundo, o centro de uma qualquer "epidemia" que, por razões desconhecidas, irá tomar conta dos destinos da Humanidade - pelo menos daquele espaço em concreto -, e que a todos irá mudar sem qualquer piedade. Até mesmo os diálogos entre as diversas personagens fazem adivinhar essa mudança... Primeiro o paramédico que inicia esta dinâmica pela observação da sua tranquilidade por acabar, depois pela vítima que (talvez) não o será... O acusado que poderá ser o detentor de uma qualquer futura redenção mas agora injustamente acusado e finalmente as conversas teológicas e filosóficas que inundam os minutos finais desta curta-metragem... Algo está "presente" mesmo que, para o espectador, seja ainda incerto sobre que forma irá assumir.
Meat Wagon é a esperada introdução a uma história maior e que aqui ganha forma... Possivelmente essa forma acabará por ser a mesma que se espera do tal "perigo" que espreita sem se assumir como uma realidade (por enquanto), e que o realizador certamente irá desenvolver num próximo trabalho. Meat Wagon não se apresenta como um filme terminado mas sim como aqueles que lança os primeiros elementos de uma história maior... uma história onde as suas personagens não só nos lancem mais factos sobre as suas realidades mas também sobre aquela que (então) vivem. Um conto sobre um mundo em transformação onde as crenças antigas se misturam com novas realidades convivendo como num limbo e onde se conquistam seguidores que encontram nas mesmas as formas da sua própria sobrevivência.
Formalmente ambíguo - mesmo o seu título não se expõe àquilo que aparenta mas sim a uma forma multifacetada de ler o que nos pretende transmitir - pois não só não se assume como um tradicional filme de terror onde se expõem as realidades das personagens e do mundo tal como os conhecemos conseguindo, dessa forma, ser uma história sedutora e capaz de atrair o espectador para algo que se adivinha ter uma continuidade mas que, ao mesmo tempo, é capaz de estabelecer regras e limites sobre aquilo que pretende transmitir ao espectador. Aqui não existem inocentes mas sim personagens capazes de delinear o mundo à sua própria maneira... E para o espectador mantém-se a certeza de que assiste a um filme capaz de deixá-lo a pensar para lá da sua duração temporal.
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8 / 10
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