sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Salò o le 120 Giornate di Sodoma (1975)

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Salò de Pier Paolo Pasolini é simplesmente um dos filmes mais incomodativos que alguma vez vi. Não há outra forma de o dizer.
Filme choque, seja lá em que época fôr, seja lá para que público fôr, este filme retrata-nos os devaneios de quatro homens que representam as mais altas esferas sociais de um país, claramente uma Itália decadente.
O Duque, o Bispo, o Magistrado e o Presidente. Estes quatro homens reunem um conjunto de nove rapazes e nove raparigas adolescentes, os quais vão sujeitar a 120 dias de torturas físicas e psicológicos com o único propósito de que simplesmente o podem fazer por serem representativos do poder.
Ao som de histórias decadentes contadas por três "senhoras" que representam o mais podre que existe e que se veste e reveste de cara lavada, estes jovens eram então sujeitos a um sem número de barbáries que passava não só da violência psicológica, como também pela violência física e sexual à medida que ordenavam estes grandes senhores de uma sociedade decadente sem moral ou princípios.
Ao visionar este filme é um facto de que é preciso um grande estômago. Isto é como quem diz uma grande resistência. É absolutamente imoral e sem qualquer dose de humanidade todo e qualquer momento deste filme. Todo ele é desprovido de qualquer tipo de sentido de moral, de correcção, de ordem ou de lei. Sem sentimentos e sem normas. Sem respeito.
Confesso que juntamente com um Brincadeiras Perigosas e um Irréversible, este foi dos filmes que mais me incomodou até hoje pela sua mensagem de poder fazer mal simplesmente porque se pode. Sem qualquer tipo de explicação além da vontade de quem o pratica.
Salò tem igualmente uma componente voyeurista muito forte na medida em que quanto mais nos incomoda vê-lo mais vontade temos de saber o que se irá passar a seguir. Bom, uns chamam-lhe voyeurista outros chamar-lhe-ão de querer testemunhar, mas o que é certo é que por muito que nos incomode o filme os nossos sentidos quase que "ordenam" continuar a ver o que mais de grotesco pode dali sair.
Directamente relacionado com os ideias italianos fascistas da época em criar uma república independente onde o fascismo pudesse governar livre, a República de Salò, este filme mostra a estreita relação que muitos poderes, aqui representados pelos quatro homens, tiveram com o fascismo italiano e como foram permissivos em muitos dos males que assolaram o país durante muitos anos de terror, bem como aquilo que poderia ser a sua continuação caso a sua ideia e vontade tivesse tido continuidade.
Pier Paolo Pasolini, amado por uns e extremamente odiado por outros, tem aqui, e para mim, a sua obra maior e mais controversa. Uma estará intimamente ligada à outra. É a obra maior porque é controversa ou é controversa porque é a sua obra maior.
Ganhou ódios. Cimentou outros. Com esta obra de terror visual, isto sim, verdadeiro terror por ser em certa medida a realidade daquilo que os homens podem fazer, o mal pelo simples facto de o poder fazer, Pasolini mostra-nos um enorme relato sobre a violência e a maldade humana desprovidade de qualquer sentido de humanidade e compaixão. A maldade sem argumentos. Sem traumas. Sem justificações. Sem explicações. A maldade pura simplesmente pelo que ela é.
Um filme choque e incomodativo que nos faz sentir o estômago às voltas não só pelos seus relatos de violência como também por grande parte das imagens que roçam muito de perto o grotesco e o desumano. Não será um filme para todos e, muitos daqueles que o poderão conseguir ver até ao final poderão considerar que é apenas um filme "nojento" e sem qualquer nexo. No entanto, analisando um pouco de História e sobre aquilo que ela foi no país transalpino, poderemos confirmar muitas das "ligações" que aqui assistimos e como elas de facto poderiam lançar um país e toda a sua juventude para um lado muito negro, corrupto, decadente e imoral.
Para cinema de qualidade daquele que é o maior produtor de histórias com História, este filme será sem dúvida um a ver e reter mas que é, ao mesmo tempo, difícil de suportar.
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10 / 10
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