Antes o Tempo Não Acabava de Sérgio Andrade e Fábio Baldo é uma longa-metragem brasileira presente na Competição de Longas-Metragens da vigésima edição do QueerLisboa - Festival Internacional de Cinema Queer que agora decorre no Cinema São Jorge até ao próximo dia 24 de Setembro.
Anderson (Anderson Tikuna) é um jovem indígena que vive numa pequena comunidade nos arredores de Manaus. No seio de um conflito interno que o colocam em primeiro lugar resistente aos hábitos da sua comunidade e, de seguida, numa luta pela sua auto-afirmação, Anderson decide partir para a grande cidade e conhecer todo um novo conjunto de sentimentos e sensações aos quais estava, até então, privado.
A dupla de realizadores e também argumentistas de Antes o Tempo Não Acabava, apresenta com esta obra, um conjunto de elementos curiosos que passam desde a sexualidade pela dicotomia campo versus cidade sem, no entanto, esquecer o poder da tradição, da passagem do tempo e, acima de tudo o demais, a vontade explícita de uma auto-afirmação que parece não querer chegar.
"Anderson" é um jovem nativo que se vê a braços com o poder dos hábitos e tradições de uma comunidade em que nasceu onde os ritos de passagem são uma etapa determinante para o nascimento, crescimento e desenvolvimento de qualquer jovem. Tendo em mente uma primeira iniciação que o traumatiza pela agressividade da "prova" com que se depara, "Anderson" regista em jovem idade que os costumes que fazem parte da sua História enquanto membro de um clã mais não são do que uma violência da qual se quer distanciar. Ao mesmo tempo que atravessa esta etapa, o jovem começa ainda a descobrir a sua própria sexualidade, aquilo que cobiça e deseja e, no fundo, a sua forma pessoal de expressar os sentimentos que mais não são do que um aparente tabu numa comunidade fechada em si mesma. Com um trabalho "europeízado" mas que, no entanto, lhe possibilita comprar os poucos alimentos que tem, "Anderson" deseja aquilo que na sua perspectiva poderá conferir-lhe uma vida "de branco", longe das superstições e rituais que o marcaram de forma tão negativa... um nome não tribal.
Desesperado por sair da sua comunidade afectada pelo esquecimento e pela escassez - a todos os níveis - "Anderson" embarca numa viagem pela grande cidade, pelo conhecimento de novas músicas, novas pessoas e encontros sexuais fortuitos tanto com homens como com mulheres que possam, eventualmente, conferir-lhe uma percepção mais real daquilo que é, sente e que emana numa - e para uma - sociedade que é mais do que os pequenos rituais de transição que em tempos o marcaram pela força de uma brutalidade que não regista como sua.
O elemento queer de Antes o Tempo Não Acabava acaba por centrar-se nestes mesmos elementos, ou seja, na diferenciação de um estilo e modo de vida do campo que, no fundo, está às portas de uma cidade onde tudo existe e acontece, no fosso abismal que separa uma vida ocidentalizada dos costumes, rituais e tradições de uma comunidade fechada na vontade extrema de auto-preservação e sobrevivência de uma História milenar que aqui parece prestes a diluir-se pela força da tal "modernidade" e claro, como de sentimentos também se fala, na busca incessante de uma identificação de género - inicialmente "Anderson" parece denotar alguns elementos transgénero pela incerteza da sua sexualidade - e depois com uma aparente bissexualidade que o completam num mundo que está, no fundo, também ele em constante transformação e incerteza.
Antes o Tempo Não Acabava acaba, portanto, por demonstrar todo um registo docu-ficcionado das referidas comunidades indígenas que aprendem forçadamente a conviver com as inovações de um mundo ocidental que entra (entrou) pelos seus territórios sem pedir licença, apoderando-se de muitos modos e estilos de vida ou, pelo menos, alterando-os através da incerteza e da "possibilidade" de outra via. Alterando-os sem, no entanto, esquecer os já referidos rituais de passagem - legais ou não face aos olhos da lei dita ocidental - e da importância que estes têm face à preservação de um património quer histórico quer imaterial dos hábitos, costumes e tradições de comunidades que vão lentamente desaparecendo e tornando-se, também elas, parte de um mundo global que não consegue controlar - ou por vezes até registar - tudo aquilo que nele "acontece".
Mas, acima de todo o legado proto-filosófico que o espectador possa encontrar nas entrelinhas, Antes o Tempo Não Acabava transforma-se sobretudo no registo pessoal de um dos membros dessa mesma comunidade que ousou reclamar e aceitar o seu património histórico - o "nós" no "eu" - abraçando, por sua vez, todas as possibilidades de um "outro" mundo à sua porta onde se permitia expressar e manifestar a sua individualidade - sentimental, afectiva, sexual e não só - livre de amarras e julgamentos alheios que, independentemente de lhe poderem facultar diversas outras oportunidades no seu futuro conseguiam, pelo menos, mostrar-lhe que as mesmas existem dando-lhe o poder de uma escolha que anteriormente parecia sentir não as ter.
Com um sempre presente elemento natural, Antes o Tempo Não Acabava transmite ainda toda uma mancha cultural diversificada que caracteriza o Brasil contemporâneo, que o enriquece pela amálgama de cor e de sabor que as suas centenas de tribos, imigrações europeias e asiáticas ali fizeram chegar e que tantas vezes fica esquecido no cinema brasileiro... também ele rico graças a este quase sempre tímido registo - mas presente -, que relata que o país é muito mais do que as paradisíacas praias do Rio de Janeiro, e que deixa o espectador pensar sobre a sua aceitação num Brasil que aparenta, por momentos, querer ser mais "igual" e não único num século XXI cheio de pequenas grandes transformações.
Anderson (Anderson Tikuna) é um jovem indígena que vive numa pequena comunidade nos arredores de Manaus. No seio de um conflito interno que o colocam em primeiro lugar resistente aos hábitos da sua comunidade e, de seguida, numa luta pela sua auto-afirmação, Anderson decide partir para a grande cidade e conhecer todo um novo conjunto de sentimentos e sensações aos quais estava, até então, privado.
A dupla de realizadores e também argumentistas de Antes o Tempo Não Acabava, apresenta com esta obra, um conjunto de elementos curiosos que passam desde a sexualidade pela dicotomia campo versus cidade sem, no entanto, esquecer o poder da tradição, da passagem do tempo e, acima de tudo o demais, a vontade explícita de uma auto-afirmação que parece não querer chegar.
"Anderson" é um jovem nativo que se vê a braços com o poder dos hábitos e tradições de uma comunidade em que nasceu onde os ritos de passagem são uma etapa determinante para o nascimento, crescimento e desenvolvimento de qualquer jovem. Tendo em mente uma primeira iniciação que o traumatiza pela agressividade da "prova" com que se depara, "Anderson" regista em jovem idade que os costumes que fazem parte da sua História enquanto membro de um clã mais não são do que uma violência da qual se quer distanciar. Ao mesmo tempo que atravessa esta etapa, o jovem começa ainda a descobrir a sua própria sexualidade, aquilo que cobiça e deseja e, no fundo, a sua forma pessoal de expressar os sentimentos que mais não são do que um aparente tabu numa comunidade fechada em si mesma. Com um trabalho "europeízado" mas que, no entanto, lhe possibilita comprar os poucos alimentos que tem, "Anderson" deseja aquilo que na sua perspectiva poderá conferir-lhe uma vida "de branco", longe das superstições e rituais que o marcaram de forma tão negativa... um nome não tribal.
Desesperado por sair da sua comunidade afectada pelo esquecimento e pela escassez - a todos os níveis - "Anderson" embarca numa viagem pela grande cidade, pelo conhecimento de novas músicas, novas pessoas e encontros sexuais fortuitos tanto com homens como com mulheres que possam, eventualmente, conferir-lhe uma percepção mais real daquilo que é, sente e que emana numa - e para uma - sociedade que é mais do que os pequenos rituais de transição que em tempos o marcaram pela força de uma brutalidade que não regista como sua.
O elemento queer de Antes o Tempo Não Acabava acaba por centrar-se nestes mesmos elementos, ou seja, na diferenciação de um estilo e modo de vida do campo que, no fundo, está às portas de uma cidade onde tudo existe e acontece, no fosso abismal que separa uma vida ocidentalizada dos costumes, rituais e tradições de uma comunidade fechada na vontade extrema de auto-preservação e sobrevivência de uma História milenar que aqui parece prestes a diluir-se pela força da tal "modernidade" e claro, como de sentimentos também se fala, na busca incessante de uma identificação de género - inicialmente "Anderson" parece denotar alguns elementos transgénero pela incerteza da sua sexualidade - e depois com uma aparente bissexualidade que o completam num mundo que está, no fundo, também ele em constante transformação e incerteza.
Antes o Tempo Não Acabava acaba, portanto, por demonstrar todo um registo docu-ficcionado das referidas comunidades indígenas que aprendem forçadamente a conviver com as inovações de um mundo ocidental que entra (entrou) pelos seus territórios sem pedir licença, apoderando-se de muitos modos e estilos de vida ou, pelo menos, alterando-os através da incerteza e da "possibilidade" de outra via. Alterando-os sem, no entanto, esquecer os já referidos rituais de passagem - legais ou não face aos olhos da lei dita ocidental - e da importância que estes têm face à preservação de um património quer histórico quer imaterial dos hábitos, costumes e tradições de comunidades que vão lentamente desaparecendo e tornando-se, também elas, parte de um mundo global que não consegue controlar - ou por vezes até registar - tudo aquilo que nele "acontece".
Mas, acima de todo o legado proto-filosófico que o espectador possa encontrar nas entrelinhas, Antes o Tempo Não Acabava transforma-se sobretudo no registo pessoal de um dos membros dessa mesma comunidade que ousou reclamar e aceitar o seu património histórico - o "nós" no "eu" - abraçando, por sua vez, todas as possibilidades de um "outro" mundo à sua porta onde se permitia expressar e manifestar a sua individualidade - sentimental, afectiva, sexual e não só - livre de amarras e julgamentos alheios que, independentemente de lhe poderem facultar diversas outras oportunidades no seu futuro conseguiam, pelo menos, mostrar-lhe que as mesmas existem dando-lhe o poder de uma escolha que anteriormente parecia sentir não as ter.
Com um sempre presente elemento natural, Antes o Tempo Não Acabava transmite ainda toda uma mancha cultural diversificada que caracteriza o Brasil contemporâneo, que o enriquece pela amálgama de cor e de sabor que as suas centenas de tribos, imigrações europeias e asiáticas ali fizeram chegar e que tantas vezes fica esquecido no cinema brasileiro... também ele rico graças a este quase sempre tímido registo - mas presente -, que relata que o país é muito mais do que as paradisíacas praias do Rio de Janeiro, e que deixa o espectador pensar sobre a sua aceitação num Brasil que aparenta, por momentos, querer ser mais "igual" e não único num século XXI cheio de pequenas grandes transformações.
.
.
7 / 10
.
Sem comentários:
Enviar um comentário