Marasmo de Gonçalo Loureiro é uma curta-metragem portuguesa de ficção vencedora de uma Menção Especial na última edição do LEFFEST - Lisbon & Estoril Film Festival que agora encontrou a sua estreia comercial no cinema e que relata pequenos fragmentos na vida de uma família na qual pai, mãe e filha se encontram nos antípodas de uma tradicional relação familiar.
O realizador e também argumentista Gonçalo Loureiro apresenta com Marasmo uma história que tem a particularidade de cruzar sob um mesmo tecto, três experiências diferentes interpretadas por aqueles que poderiam - à partida - experienciar uma vivência comum. Pai, mãe e filha vivem momentos de uma indiferença permanente onde a incomunicabilidade transcende as suas limitações, fazendo-os viajar por vidas que são, em certa medida, diferentes. O espectador pouco conhece destas três vidas para lá do que é subtilmente revelado... Um pai camionista e, como tal, relativamente ausente do seio familiar, uma mãe doméstica que não só trata da casa como acompanha a filha aos seus treinos de natação enquanto desespera pela chegada de um marido que a recebe com certa indiferença, e uma jovem metida com os seus pensamentos de quem ainda pouco pensa - passo a expressão - nos problemas de uma vida que a espera... "lá fora".
Estas três vidas que se distanciam com uma naturalidade desarmante parecem apenas completar-se com pequenos momentos que - à sua medida - dão significado à sua própria existência. De um pai insatisfeito e que encontra o significado da sua vida longe do lar e junto de encontros ocasionais com jovens prostitutas ou frequentadoras de uma qualquer discoteca que "usa" para as suas necessidades carnais - com a mulher parece não existir qualquer contacto sexual ou sentimental pois a relação que com ela mantém é exclusivamente uma partilha de casa -, passando por esta mulher que encontra o sentido da sua vida junto de um homem que a presenteia com momentos esporádicos na sua companhia - a felicidade que esta mulher parece fazer denotar numa Feira Popular com a presença de um marido mentalmente ausente é disso o melhor exemplo -, ou uma filha que encontra a sua plenitude numa piscina onde parece viver uma experiência extra-sensorial - e diga-se que o plano final de Marasmo é algo simplesmente divinal de se observar -, a dinâmica entre este projecto de família "moderna" prima pela capacidade de todos parecem partilhar uma casa onde dividem despesas... mas poucas confidências ou um qualquer tipo de sentimentos ou sensações. Flagrante e que o comprova está o momento que mãe e filha passam uma parte do seu dia num aquário, estáticas, incomunicativas e a observar nos outros aquilo que lhes falta... Um marido e um pai...
A desconexão entre esta família - e eventualmente a mensagem mais presente em Marasmo - é uma constante. De uma presença pouco sentida a uma ausência como estado normal de estar "por perto" criam um sentido desconforto no espectador que espera por um momento de uma sentida tensão que, no entanto, nunca chega. Talvez seja esse o marasmo de Marasmo. A concretização de uma apatia ou de uma paralisação sentimental que faz estes três elementos encontrarem-se desconectados daquilo que os rodeia. De uma vida com uma eventual partilha de afectos, de preocupações e de interesse sobre o outros, sobre as suas actividades e principalmente sobre a sua presença estando, todos eles, num estado de ilusão aparente como que a viver um intervalo numa realidade que se "passeia" à sua volta sem que dela queiram saber.
Com uma interpretação praticamente silenciosa mas muito expressiva, os três actores destacam-se pela sua própria ausência de protagonismo que é, portanto, partilhado estando, no entanto, o rosto de um Carlos Sebastião que tanto nos habituou à comédia no centro desta apatia sentimental - mas bem carnal - ao dar corpo a um homem que assume como escolha a sua distância de um lar que não lhe é querido (apesar de uma pontual "preocupação" com a filha) e que encontra o seu único e possível refúgio dentro do seu camião com o qual viaja pelas estradas do país.
Gonçalo Loureiro cria um filme bruto pela forma como expõe uma ideia de apatia sentimental, belo com a intensa e também ela muito expressiva direcção de fotografia da autoria de António Pinheiro que (des)caracteriza todas as suas personagens, espaços e estados de alma (quando esta se manifesta), e tenso pela recriação de uma sentida indiferença, distanciamento e eventual apatia que consegue colocar num mesmo espaço três personagens unidas entre si mas distanciadas pela indiferença (quem sabe repulsa) que cresceu no seu seio... quem sabe na esperança da espera por algo que sentem ter perdido mas que compreendem nunca ir chegar.
Seguramente um dos melhores filmes curtos do último ano, Marasmo é certamente a pequena grande prova de fogo de um realizador que se afirma pela grandeza do seu trabalho e - espero - pelos muitos que o futuro o irá fazer criar.
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9 / 10
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