Caminhos Magnétykos de Edgar Pêra (Portugal/Brasil) é a mais recente longa-metragem do realizador de O Barão (2011) e a obra escolhida para a cerimónia de abertuda da XXIVª edição dos Caminhos do Cinema Português que irá decorrer até ao próximo dia 1 de Dezembro no Teatro Académico Gil Vicente, em Coimbra.
Raymond Vachs (Dominique Pinon) vive atormentado com o destino da filha Catarina (Alba Baptista) com casamento marcado com Damião (Paulo Pires), um influente junto das altas esferas. Na noite do casamento da filha, Raymond deambula pelas ruas de uma Lisboa distópica que já não reconhece lembrando-se dos tempos em que chegou à cidade da revolução... já ida e distante.
Esta edição dos Caminhos do Cinema Português não poderia começar de forma melhor. A mais recente obra de Edgar Pêra é não só inteligente, mordaz e sarcástica como, aliás, tem vindo a ser marca de toda a obra do realizador como sobretudo recupera uma essência tida no já distante Oito Oito (2002) no qual se exploram os podres meandros de um submundo que todos desconhecemos aqui elevando-o à contra-revolução que lançou o país num assustador marasmo bem distinto dos dias que hoje conhecemos.
Lisboa, como personagem pouco silenciosa desta história, uma vez que o espectador (re)visita muitos dos locais desta capital moderna e vanguardista mas aqui tolhida por um manto de "saudade" do antigo regime, assume um lugar cimeiro quando confronta lugares conhecidos e familiares transformando-os num assustador ermo onde todos os recantos ganham uma vida quase persecutória e acusatória onde a todo o momento poderá surgir uma inesperada denúncia. As sombras ganham um lugar de destaque nesta obra fazendo da "cidade branca" um local onde a liberdade, ainda que ilusoriamente presente -, mais não é do que uma miragem tida de outros tempos. Nesta Lisboa alternativa reina a moral, os bons costumes, a família e a tradição... A Nação, regida pelas velhas "conversas em família" e por um Primeiro-Ministro que come bolo de casamento de forma... a que todos vejam..., é o valor máximo para a consciencialização de todos... Acima dela... apenas Deus e é indispensável criar laços fraternos entre Governo e população que, dominada, caminha de cabeça baixa ou "pró-regime".
É então que a consciência e um certo sentimento de culpa pelo esquecimento dos valores que o trouxeram a esta Lisboa que "Raymond" caminha pela cidade como que embriagado pelo rumo que tudo levou. Encontrando-se em lugares familiares, com amigos do passado e até mesmo perseguido por um novo "pastor" "André Leviatã" (encarnado por um magnífico Ney Matogrosso) que tenta evangelizar para um novo caminho, "Raymond" acorda do seu sonho e deseja - ou espera - que tudo possa voltar a esse antigamente interregno de dois regimes absolutistas onde a força bruta e as prisões políticas dominadas por um assustador "General Spínola" (Albano Jerónimo) ainda controlam os destinos da população... "pouco prendada" e inexistente aos olhos do espectador.
A mecânica destas personagens em muito se assemelha a uma certa realidade nacional recentemente vivida... da solidariedade como fonte de lucro pessoal aos velhos fantasmas do passado que aqui ressurgem com outros nomes e identidades - assustadora a semelhança do Primeiro Ministro interpretado por António Durães com um real e ex-Presidente da República que este país viu com uma moral evangelizadora... mas pouco católica -, Caminhos Magnétykos é, para lá de uma obra alucinada muito ao estilo do realizador, um conto felizmente alternativo sobre os efeitos e consequências de uma certa portugalidade que, felizmente, não resistiu nem tão pouco deu continuidade àquilo que em '74 terminou.
Aqui a democracia é apenas aparente, a liberdade apenas momentânea e puramente ilusória, os valores são de uma pacificação social e adversa a qualquer tipo de manifestação de reivindicação de direitos e as perseguições e prisões políticas ainda existem... por essa Belém com contornos medievais e que esta nova ditadura tão bem disfarça graças a um aparatoso sistema de imagem e comunicação social que esconde a verdadeira essência deste regime que grita "Portugal é Nosso", "Tudo pela Nação" e cuja saudação fica muito próxima... desses idos tempos pré-'74. Por momentos escutamos o "Raymond" de Pinon dizer que o tal país de '74 já não existe... enquanto acompanhamos imagens dos tempos revolucionários que conferiram real liberdade à população enquanto, ao mesmo tempo, observamos anúncios de recolher obrigatório com a Ponte 25 de Novembro ao fundo... sim, 25 de Novembro... e compreendemos que, nesta lógica, segurança é paz... que forma mais "inspirada" para manter a população controlada!
Lisboa assume-se assim como uma cidade nocturna, cinzenta, misteriosa e, ao mesmo tempo, selvagem... escutam-se murmúrios, rugidos... é futurista mas apenas para uma certa camada social que pode percorrer esses espaços estando todos os demais ou ocultos ou de acesso à "plebe" que não pode frequentar ou conhecer espaços mais "sociais" onde poucos convivem de forma irracional, lasciva mas às escondidas podendo negar todos os comportamentos tidos... semelhantes àquilo que condenam para os demais e tudo isto num ambiente cinematográfico que surge como a já reconhecida assinatura de Pêra mas que, ao mesmo tempo, confere às suas obras uma certa dinâmica Lynchiana... sonhadora (ou de pesadelo), sombria, negra e por vezes quanto baste assustadora.
Portugal surge assim como uma nova ditadura pós ditadura... um país de aparências e de brandos costumes onde têm direitos aqueles que têm posses e respeitam os bons ditames do regime, deixando todos os demais condenados a uma existência apenas de deveres e onde o silêncio é bom pagador, limitando-se às suas margens e a um silêncio ensurdecedor no qual reclamam as suas liberdades que nunca irão ver reconhecidas. Afinal Portugal é nosso... mas não de todos!
Com um belíssimo momento ao som de "Rosa de Hiroshima" cantada por Ney Matogrosso e uma interpretação que tem tanto de mágica como alucinada de Dominique Pinon, são também as interpretações secundárias que se destacam em Caminhos Magnétykos como, por exemplo, a do próprio Matogrosso, a de um temível Albano Jerónimo como o rosto de uma nova polícia militar política alinhada com o regime e a de um lascivo e jocoso Paulo Pires que por breves instantes dominam o grande ecrã.
Edgar Pêra fê-lo de novo... Caminhos Magnétykos é uma obra cinematográfica que facilmente será das emblemáticas de todo o seu percurso cinematográfico criando uma personagem masculina central - Pinon - ao estilo de O Barão... numa Lisboa selvagem tal como em Lisboa Verde 3D (2014)... juntando-lhes todos os elementos de ditadura escondida nas franjas da sociedade visíveis no já mencionado Oito Oito. Uma das obras maiores desta edição dos Caminhos? Não tenho a menor das dúvidas...
Raymond Vachs (Dominique Pinon) vive atormentado com o destino da filha Catarina (Alba Baptista) com casamento marcado com Damião (Paulo Pires), um influente junto das altas esferas. Na noite do casamento da filha, Raymond deambula pelas ruas de uma Lisboa distópica que já não reconhece lembrando-se dos tempos em que chegou à cidade da revolução... já ida e distante.
Esta edição dos Caminhos do Cinema Português não poderia começar de forma melhor. A mais recente obra de Edgar Pêra é não só inteligente, mordaz e sarcástica como, aliás, tem vindo a ser marca de toda a obra do realizador como sobretudo recupera uma essência tida no já distante Oito Oito (2002) no qual se exploram os podres meandros de um submundo que todos desconhecemos aqui elevando-o à contra-revolução que lançou o país num assustador marasmo bem distinto dos dias que hoje conhecemos.
Lisboa, como personagem pouco silenciosa desta história, uma vez que o espectador (re)visita muitos dos locais desta capital moderna e vanguardista mas aqui tolhida por um manto de "saudade" do antigo regime, assume um lugar cimeiro quando confronta lugares conhecidos e familiares transformando-os num assustador ermo onde todos os recantos ganham uma vida quase persecutória e acusatória onde a todo o momento poderá surgir uma inesperada denúncia. As sombras ganham um lugar de destaque nesta obra fazendo da "cidade branca" um local onde a liberdade, ainda que ilusoriamente presente -, mais não é do que uma miragem tida de outros tempos. Nesta Lisboa alternativa reina a moral, os bons costumes, a família e a tradição... A Nação, regida pelas velhas "conversas em família" e por um Primeiro-Ministro que come bolo de casamento de forma... a que todos vejam..., é o valor máximo para a consciencialização de todos... Acima dela... apenas Deus e é indispensável criar laços fraternos entre Governo e população que, dominada, caminha de cabeça baixa ou "pró-regime".
É então que a consciência e um certo sentimento de culpa pelo esquecimento dos valores que o trouxeram a esta Lisboa que "Raymond" caminha pela cidade como que embriagado pelo rumo que tudo levou. Encontrando-se em lugares familiares, com amigos do passado e até mesmo perseguido por um novo "pastor" "André Leviatã" (encarnado por um magnífico Ney Matogrosso) que tenta evangelizar para um novo caminho, "Raymond" acorda do seu sonho e deseja - ou espera - que tudo possa voltar a esse antigamente interregno de dois regimes absolutistas onde a força bruta e as prisões políticas dominadas por um assustador "General Spínola" (Albano Jerónimo) ainda controlam os destinos da população... "pouco prendada" e inexistente aos olhos do espectador.
A mecânica destas personagens em muito se assemelha a uma certa realidade nacional recentemente vivida... da solidariedade como fonte de lucro pessoal aos velhos fantasmas do passado que aqui ressurgem com outros nomes e identidades - assustadora a semelhança do Primeiro Ministro interpretado por António Durães com um real e ex-Presidente da República que este país viu com uma moral evangelizadora... mas pouco católica -, Caminhos Magnétykos é, para lá de uma obra alucinada muito ao estilo do realizador, um conto felizmente alternativo sobre os efeitos e consequências de uma certa portugalidade que, felizmente, não resistiu nem tão pouco deu continuidade àquilo que em '74 terminou.
Aqui a democracia é apenas aparente, a liberdade apenas momentânea e puramente ilusória, os valores são de uma pacificação social e adversa a qualquer tipo de manifestação de reivindicação de direitos e as perseguições e prisões políticas ainda existem... por essa Belém com contornos medievais e que esta nova ditadura tão bem disfarça graças a um aparatoso sistema de imagem e comunicação social que esconde a verdadeira essência deste regime que grita "Portugal é Nosso", "Tudo pela Nação" e cuja saudação fica muito próxima... desses idos tempos pré-'74. Por momentos escutamos o "Raymond" de Pinon dizer que o tal país de '74 já não existe... enquanto acompanhamos imagens dos tempos revolucionários que conferiram real liberdade à população enquanto, ao mesmo tempo, observamos anúncios de recolher obrigatório com a Ponte 25 de Novembro ao fundo... sim, 25 de Novembro... e compreendemos que, nesta lógica, segurança é paz... que forma mais "inspirada" para manter a população controlada!
Lisboa assume-se assim como uma cidade nocturna, cinzenta, misteriosa e, ao mesmo tempo, selvagem... escutam-se murmúrios, rugidos... é futurista mas apenas para uma certa camada social que pode percorrer esses espaços estando todos os demais ou ocultos ou de acesso à "plebe" que não pode frequentar ou conhecer espaços mais "sociais" onde poucos convivem de forma irracional, lasciva mas às escondidas podendo negar todos os comportamentos tidos... semelhantes àquilo que condenam para os demais e tudo isto num ambiente cinematográfico que surge como a já reconhecida assinatura de Pêra mas que, ao mesmo tempo, confere às suas obras uma certa dinâmica Lynchiana... sonhadora (ou de pesadelo), sombria, negra e por vezes quanto baste assustadora.
Portugal surge assim como uma nova ditadura pós ditadura... um país de aparências e de brandos costumes onde têm direitos aqueles que têm posses e respeitam os bons ditames do regime, deixando todos os demais condenados a uma existência apenas de deveres e onde o silêncio é bom pagador, limitando-se às suas margens e a um silêncio ensurdecedor no qual reclamam as suas liberdades que nunca irão ver reconhecidas. Afinal Portugal é nosso... mas não de todos!
Com um belíssimo momento ao som de "Rosa de Hiroshima" cantada por Ney Matogrosso e uma interpretação que tem tanto de mágica como alucinada de Dominique Pinon, são também as interpretações secundárias que se destacam em Caminhos Magnétykos como, por exemplo, a do próprio Matogrosso, a de um temível Albano Jerónimo como o rosto de uma nova polícia militar política alinhada com o regime e a de um lascivo e jocoso Paulo Pires que por breves instantes dominam o grande ecrã.
Edgar Pêra fê-lo de novo... Caminhos Magnétykos é uma obra cinematográfica que facilmente será das emblemáticas de todo o seu percurso cinematográfico criando uma personagem masculina central - Pinon - ao estilo de O Barão... numa Lisboa selvagem tal como em Lisboa Verde 3D (2014)... juntando-lhes todos os elementos de ditadura escondida nas franjas da sociedade visíveis no já mencionado Oito Oito. Uma das obras maiores desta edição dos Caminhos? Não tenho a menor das dúvidas...
.
.
"Primeiro-Ministro: A solidariedade só é verdadeira se houver uma compensação egoísta."
.
8 / 10
.
Sem comentários:
Enviar um comentário