Inversão de Miguel Ângelo Antunes (Portugal) também presente na competição oficial da XXIVª edição do Caminhos do Cinema Português que hoje se iniciou no Teatro Académico Gil Vicente, em Coimbra, é possivelmente aquela que, entre as exibidas, menos se enquadra na dinâmica do terror sobrenatural mas sim num mais real e urbano.
Rodrigo (Afonso Lagarto) apressa-se para o seu carro. A sua mulher está prestes a ter o seu filho. Ao fazer as primeiras manobras, antes de se pôr a caminho atropela Joana (Sara Barros Leitão) no estacionamento. Assistimos aos primeiros instantes de toda uma nova vida.
Com argumento da autoria do realizador e de Rui Botelho Rodrigues, Inversão é um breve conto sobre os momentos transformadores na vida das suas personagens onde por um lado encontramos um homem prestes a ser pai que, no entanto, comete um inesperado crime fruto da distracção e do nervosismo. Do outro, encontramos uma jovem mulher que inadvertidamente se vê envolvida no referido acidente enquanto vítima... A reacção, ou falta dela, perante a tragédia define-(n)os e nenhum poderá voltar a ser o que antes fora.
Numa reacção directa ao acidente, a personagem interpretada por Sara Barros Leitão - uma das actrizes mais activas em cinema da sua geração -, é a tradicional vítima perdida na escuridão de uma manhã deserta que apenas procura o conforto junto da família que não encontra por perto. Oscilante entre a perda e a recuperação dos seus sentidos, ambos dialogam e expõem momentos das suas vidas presentes. Ele - Lagarto -, um prevaricador inesperado, reflectidamente ou não, apenas pensa na forma como poderá sair daquela situação sem que surjam consequências directas. Então, no mais inesperado local, determinam-se futuros, consequências, responsabilidades e moralidades que mais tarde no seu futuro, serão determinantes para a sua condição enquanto homem.
O nascimento (de um filho) e a morte (da filha de alguém) são aqui retratados como a tal etapa que os diferencia. Ele, prestes a ser pai, é o único responsável pela perda da filha de alguém e é a sua consequente indiferença para com o crime que o lança num rumo entre a vida e a morte. Ela, por outro lado, vítima de um acidente que poderá (ou não... nunca saberemos) ter sido propositado, permanece estendida num chão, anónima para com o mundo e isenta de um auxílio que não chegará e solitária em relação a qualquer conforto que poderia esperar e desejar.
O nascimento (de um filho) e a morte (da filha de alguém) são aqui retratados como a tal etapa que os diferencia. Ele, prestes a ser pai, é o único responsável pela perda da filha de alguém e é a sua consequente indiferença para com o crime que o lança num rumo entre a vida e a morte. Ela, por outro lado, vítima de um acidente que poderá (ou não... nunca saberemos) ter sido propositado, permanece estendida num chão, anónima para com o mundo e isenta de um auxílio que não chegará e solitária em relação a qualquer conforto que poderia esperar e desejar.
Numa sequência sem um aparente fim, assistimos às últimas palavras trocadas entre dois estranhos que presencial os primeiros e últimos momentos um do outro incapaz (ele) de se sensibilizar com um momento agonizante alheio.
Assim, de forma intensa e até mesmo comovente, observamos um princípio e um fim. Um fim anónimo, ignorado, desesperado mas sobretudo sofrido pela percepção do mesmo e que atinge uma das personagens que ali permanece... sem saber quando será de facto socorrida do seu anonimato. Do silêncio ao anonimato urbano sem esquecer o isolamento e os silêncios que ambos acarretam, Inversão é a realização de que há momentos que nunca mais poderão voltar atrás.
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7 / 10
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