Os Irmãos Sisters de Jacques Audiard (França/Espanha/Roménia/EUA/Bélgica) foi a longa-metragem escolhida para a sessão de abertura da décima-segunda edição do LEFFEST - Lisbon & Sintra Film Festival que decorre, na vila estremenha, no Centro Cultural Olga de Cadaval.
1850. Hermann Kermit Warm (Riz Ahmed) percorre o Oeste norte-americano do Oregon a San Francisco para aí se dedicar à prospecção de ouro. Nesta viagem, acompanhado por John Morris (Jake Gyllenhall), Warm é perseguido por Eli (John C. Reilly) e Charlie (Joaquin Phoenix), os reputados irmãos Sisters.
Se inicialmente esta viagem se apresenta como um relato de fuga e perseguição, é quando os quatro homens se confrontam e conhecem que finalmente se descobrem os dilemas morais com que cada um vive.
Thomas Bidegain e Jacques Audiard adaptam a obra de Patrick DeWitt revelando aqui, para o espectador, um não tão tradicional western ou, pelo menos, um que não se resume a uma eterna caça ao homem cujo propósito único e último é a vingança e a morte. Não, Audiard, mestre na arte de contar histórias trágicas nas quais se procura a redenção das suas personagens para com a vida e um auto-perdão num mundo para o qual parecem ter sonhos e esperanças nem sempre concretizáveis, encontra em The Sisters Brothers o seu mais recente veículo para a continuidade desta vertente da sua obra. No entanto, nem tudo permanece tão linear quanto inicialmente o espectador poderia pensar. Contrariamente ao que encontramos em Sur mes Lèvres (2001), De Battre mon Coeur s'est Arrêté (2005), Un Prophète (2009) ou mais recentemente com De Rouille et d'Os (2012), The Sisters Brothers apresenta sim essa redenção, também pela tragédia, mas esta não se manifesta necessariamente como o veículo condutor da história mas sim como um resultado ou consequência do destino das suas personagens. Por outras palavras, se as obras anteriormente mencionadas exibem um conjunto de personagens que se interligam pela sua aparente aptência para a desgraça, em The Sisters Brothers esta união existe entre, por exemplo, a dupla de irmãos pelos seus laços de protecção e afectividade bem como entre a personagem de Gyllenhall e de Ahmed como o resultado da compreensão de que o mundo pode, de facto, ser diferente se naquele preciso momento em que o pensam encontram a solução comum para os seus destinos não se deixando consumir pela sede de uma qualquer vingança.
Não é desconhecido do espectador desde cedo que o passado dos irmãos Sisters os moldou para esse futuro que agora vivem. No entanto, a dinâmica dos dois irmãos é não só cúmplice como inesperadamente pertença de um registo cómico que os entrega ao espectador de forma cativante e até mesmo familiar, revelando que estes dois traçaram desde cedo um caminho do qual aparentam não querer distanciar-se... até se cruzarem com a dinâmica de "Warm", um homem que afirma ser possível um mundo diferente... para si... para eles. É com esta possibilidade e com as oportunidades que a própria hipótese levanta, que não só o seu passado parece ser, não direi branqueado mas pelo menos amenizado, transformando a continuidade dos seus destinos numa aparente miragem... Afinal, não será bom provar o outro lado do crime? Encontrar uma tranquilidade que nunca conheceram? É neste constante crescente que o espectador observa a respeito das suas personagens e na dinâmica de influência do passado sobre a situação em que se encontram que o espectador lentamente reconhece e observa a transformação. Primeiro adversos à mesma e finalmente receptivos à mera possibilidade, toda a primeira metade desta história se insere num registo de descoberta e comédia (mesmo que ligeira) que colocam o espectador numa posição de simpatia para com os dois irmãos cúmplices e parceiros mas que, ao mesmo tempo, se encontram nos antípodas do desenvolvimento emocional um do outro. Se "Eli" se revela como aquele disposto a aceitar outra hipótese de vida - incerto de onde e como concretizá-lo -, é a fiel "obediência" ao laço de fraternidade que tem tornado impossível essa vontade. E se "Charlie" se revela como o moralmente mais adverso à mesma, é aquele que sai mais transformado quando compreende que esse novo rumo é possível mesmo que fruto de um acto bárbaro... tido pelas suas próprias mãos.
Nesta medida, Ahmed e o seu "Warm" é esse factor motor da mudança. É a certeza que a sua voz tranquila transmite que deixa a dupla de irmãos instável no seu discernimento... e se foi a ganância que os juntou ("Sisters" e "Warm"), foi a tragédia que os fez compreender que um novo rumo seria possível desde que encontrassem forma de se render ao seu passado... este pode transformá-los... mas será apenas a aceitação do que se passou, a fórmula para o descanso - físico e mental - fosse alcançado... num momento que facilmente poderia ser equiparado à rendição de "Kane" para com o seu "Rosebud" de Citizen Kane (1941), de Orson Welles. O passado pode limitá-los... até ao momento em que decidem aceitá-lo como aquilo que ele é... passado.
Com os tradicionais elementos que caracterizam o género em questão, The Sisters Brothers é um inesperado western sentimental e fraterno sobre a hipótese de um novo futuro onde encontramos as áridas planícies, os elementos de vingança, as cidades perdidas de um interior e ainda despovoado Oeste americano - que, na realidade, nem se encontra na área geográfica em questão - e toda uma componente técnica que passa do guarda-roupa à direcção artística e caracterização que facilmente nos remetem para o desejado imaginário. Mas, se tecnicamente The Sisters Brothers está irrepreensível (e não se poderia esperar algo diferente aos mãos de Audiard) são, no entanto, as interpretações que dão uma esperada cor a uma história que poderia estar apenas tingida pelo vermelho de vingança... de um John C. Reilly como a força moral de uma história que nunca perde o seu fio condutor a um Joaquin Phoenix como a chamada "wild card" onde reina a sua instabilidade psicológica e o desejo de uma vingança sistemática para com tudo o que o rodeia que contrastam - ou encontram os seus pares - com a inteligência moral que as interpretações de Ahmed e Gyllenhall fazem transparecer, entregando a esta história uma permanente duplicidade que resulta como o esperado equilíbrio que "cola" esta longa-metragem, os destinos das suas personagens e que resulta não num fim feliz para todos - afinal, nunca o é no verdadeiro western -, mas sim na possibilidade que aqueles que viveram nas margens encontraram para, finalmente, terem o seu descanso.
Potencialmente diferente do western tradicional reinando - aqui - uma subtil comédia de ocasião, The Sisters Brothers sai vencedor ao revelar a hipótese das oportunidades que se "agarram" como também pela forma como transmite ao espectador a capacidade da esperança surgir mesmo no meio de uma tragédia sem limites... ou como para "eu" encontrar o meu caminho tenho de primeiro eliminar todos os obstáculos... mesmo aqueles que mo revelaram... no final permanece aquele frase popularizada com The Wizard of Oz (1940), de Victor Fleming... there's no place like home...
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8 / 10
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