Nevoeiro de Daniel Veloso (Portugal) baseado no conto de Mário Dionísio, é uma das curtas-metragens presentes na competição oficial da XXIVª edição dos Caminhos do Cinema Português a decorrer em Coimbra no Teatro Académico Gil Vicente até ao próximo dia 1 de Dezembro.
Lisboa, década de '40. A cidade e o país estão com ordem de racionamento enquanto os mantimentos partem para a Alemanha Nazi. Ao mesmo tempo, milhares de trabalhadores lutam na clandestinidade contra a miséria e a fome.
Não poderia chegar em melhor forma um dos poucos filmes portugueses que aborda os debilitados anos da nossa História não só sob o regime fascista como, muito particularmente, aqueles passados sob os anos da Segunda Guerra Mundial onde o mesmo pactuava de forma silenciosa com a Alemanha Nazi. Esta obra cinematográfica baseada no conto de Mário Dionísio e com argumento de Inês Oliveira e do realizador Daniel Veloso revela uma história de clandestinidade, de opressão, de miséria mas, ao mesmo tempo, de uma constante luta contra as agruras de um regime repressivo que ainda iria durar mais trinta anos.
Nesta história encontramos "Paulo" (João Patrício) que juntamente com dois companheiros na clandestinidade reúnem um conjunto de papéis que dactilografam para passar uma mensagem de reivindicação dos seus direitos. Relutante, parece compreender a sua situação mas, ao mesmo tempo, querer distanciar-se pela compreensão do perigo que a mesma representa. Pelo trabalho que tem desenvolvimento na clandestinidade, bem como pelos registos que futuramente lhe são deixados, o espectador conhece um homem que fora, em tempos, empenhado na luta pelos direitos dos mais fracos, dos trabalhadores e dos oprimidos pelos quais, no entanto, agora revela uma intensa falta de entusiasmo que não só o compromete para com os demais como principalmente o demarcam das acções que estes pretendem realizar. "Paulo" é um homem presente fisicamente mas distante pela sua abstracção para com aquilo que todos os demais lutam.
Quando sente ou sabe que a polícia se aproxima, "Paulo" distancia-se dos demais vivendo nas sombras da "sombra" na medida em que continua presente na luta clandestina mas, ainda assim, afastado das grandes convulsões que outra apaixonadamente defendera e se essas em tempos o levaram a abraçar os mais desfavorecidos, agora compreende que esta luta está (estaria) condenada ainda por muito tempo. Os valores que antes foram os seus são então pouco mais do que uma memória distante e impossível de ser concretizados como sempre sonhara. "Paulo" é, no fundo, um homem desiludido, desencantado e que se demitira desse tal "sonho"... Incapaz de lutar com a convicção que o marcara... mais não lhe resta do que fugir de todos aqueles que o conheceram... mas a que custo?
A inevitabilidade da ironia presente no desfecho desta história acaba por ser superior àquela dos acontecimentos históricos que, na realidade, todos nós conhecemos pelos mil e um relatos do período em questão que todos nós já observamos nos mais variados documentários ou documentos históricos. Todos nós sabemos que até 1974, muitos seriam aqueles que viriam a ser perseguidos, presos, torturados, mortos e mais ainda aqueles que atravessavam fronteiras na ilegalidade para fugir ao martírio de um regime brutal e impiedoso. No entanto, Nevoeiro é, para lá de um registo desse tempo - que o faz e muito bem -, um conto (imaginado ou não) sobre as oportunidades e consequências dessa fuga que levavam o Homem não só à demissão do seu compromisso moral para com os valores em que sempre acreditara mas, sobretudo, à ironia do cativeiro longe do cativeiro na medida em que pode pretender a fuga... mas o que será dela quando apenas tem como rumo uma inevitável e esperada prisão onde será duplamente detido... primeiro pelos seus opositores e, finalmente, por aqueles que partilharam a luta com ele e que no próprio reconhecem tão "válido" como aqueles que os haviam detido.
Com sólidas mas tranquilas interpretações - magnífica a contenção de João Patrício - e uma direcção de fotografia capaz de captar o ambiente dos tempos "negros" que o país vivera nessas décadas, Nevoeiro é uma intrigante - pelo seu extenso potencial - curta-metragem dirigida com um pulso firme digno de uma história sobre a História onde os seus protagonistas, não se demitindo da execução dos seus sonhos e liberdades, compreendem a impossibilidade da sua concretização nos tempos sombrios em que ousaram tê-los fazendo assim justiça ao ideal de nevoeiro - político e principalmente pessoal - que se fazia sentir.
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8 / 10
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