Como Fernando Pessoa Salvou Portugal de Eugène Green (Portugal/França/Bélgica) curta-metragem pré-seleccionada aos César da Academia Francesa de Cinema, é uma das presentes na competição oficial da XXIVª edição dos Caminhos do Cinema Português que hoje se iniciaram em Coimbra, no Teatro Académico Gil Vicente.
No Portugal dos anos 20 anuncia-se a chegada da Coca-Louca (!!!), uma bebida demasiadamente diferente e para a qual se necessitava de criar a campanha publicitária perfeita. Num país em que o regime se começava a manifestar como conservador, poderá este modernismo encontrar o seu lugar?
Eugène Green escreve um argumento que insere uma certa passividade nas suas personagens como, ao mesmo tempo, retrata de forma mordaz e por vezes sarcástica esse limbo existencial em que a sociedade portuguesa se encontrava nas primeiras décadas do século passado. Momento esse que, em boa medida, viria a perdurar no país nas próximas décadas e que caracterizava o "bom português"... tranquilo, que não gerasse grandes polémicas e temente a uma ordem social profundamente religiosa e de bons costumes. Nesta medida, encontramos todo um conjunto de personagens nomeadamente o "Fernando Pessoa" de Carloto Cotta ou o "Moutinho de Almeida" interpretado pelo também realizador Manuel Mozos como duas almas desprovidas de grandes manifestações comportamentais e, dessa forma, com o semblante numa perpetuação expressiva difícil de interpretar.
Se a certa altura se depreende que a publicidade tem de "casar" com a poesia dando-lhe assim uma maior componente artística capaz de alcançar o público não só pelo slogan - que na realidade haveria de persistir até à actualidade... afinal quem não conhece o "primeiro estranha-se... depois entranha-se" - como também pela imagem sedutora que apelaria a um imaginário mais físico e sensualizado, a realidade social e cultural do país começaria a, muito rapidamente, dar sinais de que o que iria prevalecer seria um conservadorismo inerente a uma população demasiadamente rural e analfabeta que, para lá de controlada, estaria concentrada a obedecer a essa ordem social que se impunha. Assim, e ignorando o produto em si que facilmente se compreende como o que é, Como Fernando Pessoa Salvou Portugal é mais o estudo da sociedade e das suas inúmeras figuras amorfas, controladas, tementes e sobretudo receosas daquilo que o país e as suas forças lhes poderiam reservar... Tementes ao ponto de compreenderem que para sobreviver é preciso ignorar qualquer tipo de expressão ou emoção para com aquilo que se faz, sente ou representa.
No final... nesse final... compreende-se que Portugal não foi salvo tendo apenas sido adiado... adiado na sua liberdade, na sua manifestação e na sua vontade de viver, ocultado por uma sombra que duraria décadas e da qual dificilmente se poderia fugir para lá das suas margens que nos opunham a, basicamente, tudo o demais.
Da amoralidade à sua real expressão, temos um intenso mas propositadamente contido Carloto Cotta seguro de uma forte interpretação e um manifestado veículo dessa bipolaridade do poeta que tanto, e tão bem, não só o caracterizou como ao Portugal do seu tempo sem com isto esquecer a ainda mais atípica interpretação a cargo de Manuel Mozos como um homem que tenta sobreviver nesse dito Portugal.
Curiosa e cuidadosamente filmado, Como Fernando Pessoa Salvou Portugal é para lá de original uma lufada de ar fresco no cinema português e um interessante, cómico e sarcástico retrato de uma portugalidade ainda não desaparecida... mas felizmente quase extinta.
.Curiosa e cuidadosamente filmado, Como Fernando Pessoa Salvou Portugal é para lá de original uma lufada de ar fresco no cinema português e um interessante, cómico e sarcástico retrato de uma portugalidade ainda não desaparecida... mas felizmente quase extinta.
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