segunda-feira, 26 de novembro de 2018

O Homem-Pykante - Diálogos kom Pimenta (2018)

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O Homem-Pykante - Diálogos kom Pimenta de Edgar Pêra (Portugal) é um dos documentários presentes na competição oficial da XXIVª edição dos Caminhos do Cinema Português a decorrer em Coimbra no Teatro Académico Gil Vicente.
Edgar Pêra recupera com este documentário alguns dos registos gravados de e com Alberto Pimenta, escritor e ensaísta português que se afirmou ao longo das décadas pela sua escrita considerada insurrecta, subversiva, irreverente e assumidamente crítica do meio político, social e cultural.
Aquilo que se inicia como uma estranha obra que tem como protagonista um homem que interpreta duas distintas personagens - o mendigo e o burguês socialmente em ascensão -, cedo se transforma numa obra onde o próprio escritor não só declama alguns excertos dos seus textos como livremente se (os) expõe de forma assertiva e não menos mordaz. E se inicialmente o espectador estranha aos seus ditos, rapidamente os entranha como uma realidade que no fundo pensa - sobre os tempos que vive -, compreendendo e aceitando aquilo que diz e pensa como a sua (do espectador) própria realidade.
Tudo começa como um ensaio improvisado onde um homem de posses (Pimenta) encontra um mendigo que dorme num banco de jardim (Pimenta de novo). Por entre o seu pasmo e ditos de alguém "superior", cedo reparamos que este não é um mendigo qualquer... com ele tráz os seus próprios pensamentos e um telemóvel - qual mendigo moderno -, que rapidamente atende e para o qual tece os seus mais ou menos iluminados discursos como se de um homem de negócios se tratasse.
Com este momento como o momento de partida que introduz o homem e a sua obra ao espectador, aquilo que escutamos das verdades deste homem e que, na realidade, são muitas das verdades inconfessáveis de tantos de nós, é todo um conjunto de pensamentos sobre a vida, a política, a sociedade, a hipocrisia, a vida e a morte que levam o espectador a reflectir sobre temas banais mas presente no seu quotidiano estabelecendo diferenças não só entre o Homem em si como principalmente sobre a sua (des)evolução ao longo dos tempos... fazendo daquilo que ontem era mentira seja a verdade de hoje ou vice versa.
Pimenta fala dos seus tempos na Alemanha onde trabalhava e onde viveu parte do seu exílio como opositor ao regime de Salazar, da promessa do 25 de Abril e da perseguição que sentiu quando cá vivera no seu pós mas sobretudo sobre a irreverente transformação do povo que se habituou a olhar, como diz, "a casa sempre pelo lado de fora", ignorando todos os pequenos detalhes ou nuances que a transformam naquilo que ela realmente é... uma casa.
As suas verdades, aparentemente banais e circunstâncias, ganham forma e conteúdo quando o espectador pensa que todas elas, sem excepção, têm um fundo de verdade do dia-a-dia na medida em que são pequenos e breves pensamentos que escondem verdades profundas sobre a essência de cada um... afinal, não são estes pequenos e livres estudos de alma que, quando analisados, assustam pela sua realidade e pela rendição que todos nós lhes depositamos?! Assim, a distância estabelecida entre essa verdade "banal" e o pessimismo existencial, leva Pimenta a falar sobre a Humanidade e a sua (ir)racionalidade como uma consequência de quem tudo (e nada) tem esquecendo que os "migrantes de hoje são os escravos de ontem" tal como refere numa das suas mais emblemáticas obras, Discurso sobre o filho da puta (1977).
No entanto são os seus pensamentos sobre a morte e sobre a total independência que "apenas se obtém nas portas, locais de entrada e saída", que ganham maior destaque... é ela que nasce connosco e que vive (ironia do pensamento) sempre como um invisível parceiro e que levam o espectador a compreender (ou pelo menos tentar) melhor a sua mortalidade como principalmente aquela que um homem do mundo, que fala dos outros consciente de que também o representa a si, enfrenta a sua própria mortalidade como uma inevitabilidade que não o preocupando o assusta...
Em tom de humor - nem sempre positivo -, sarcástico e por vezes "negro", Pêra com o seu estilo vanguardista muito próprio, dá uma cor a um poeta e um autor com quem estabelece uma próxima amizade, expondo os seus pensamentos como um reflexo desta portugalidade (e não só), de forma corrosiva, intensa, mordaz, irónica mas ao mesmo tempo dotada de um humor próximo e quase fraterno que nos leva a uma imediata empatia com o homem, com o seu pensamento e também com a sua obra tão cheia de intensas verdades que raramente ousamos admitir.
Potencialmente a grande surpresa desta edição dos Caminhos do Cinema Português, O Homem-Pykante - Diálogos kom Pimenta é certamente não só uma das suas obras mais emblemáticas como seguramente das de Pêra, centrado em filmar Portugal e o mundo com um olhar muito próprio que o espectador não esquecerá e que quando o pensa... lhe reconhece toda a verdade. Bravo Pêra... Bravo Pimenta.
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"Alberto Pimenta: Morrer depois da morte prova que a alma também é mortal."
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